quarta-feira, 25 de abril de 2012

Castelo de S.Miguel de Acha


Castelo de S. Miguel de Acha


O Castelo de S. Miguel de Acha, que fr. José Esteves Ferreira ao fazer o relatório paroquial em 1758 sobre S. Miguel de Acha o classifica como de muita pouca fortaleza, é construído em 1663, pelo então Governador capitão Gonçalo Vaz, cuja pedra com a inscrição se encontra sobre a porta de entrada para a antiga forja de João Santos Magro e hoje pertença dos seus herdeiros. Segundo o Eng.º Manuel da Silva Castelo Branco (1), Gonçalo Vaz nasceu na Lousa, onde foi baptizado a 05-06-1615, casou em S. Miguel de Acha em 28-08-1641 com Susana Fernandes Preto, filha de Gaspar Domingues, um dos maiores lavradores da região, e de Susana Fernandes de Proença-a-Velha, vindo a falecer em 1675 e segundo rezam as crónicas foi sepultado na “hermida do nome de Deus”. No assento de óbito, “o vigário fr. António Martins, declara por ser anexa a Igreja Parrochial se lhe deo sepultura nella fazendosse por de não prejudicar ao Direito parrochial em todo o tempo de mundo” (2). Ao que julgamos trata-se da Capela do Menino de Deus, pois é a única que fica perto da Igreja e que mais tornar-se-á num forno, sendo demolido em 1967 para construção de casa de habitação.
É também este Governador que manda edificar a Capela de Nossa Senhora do Miradouro.
Gonçalo Vaz passa a ser um lavrador abastado com várias terras, fazendo parte da nobreza rural. Em 17-06-1738 uma provisão de D. João V, autoriza o dr. José Vaz de Carvalho a subrogar certas propriedades pertencentes à Capela de Nossa Senhora do Miradouro, sita em S. Miguel de Acha, instituída por seu avô o capitão Gonçalo Vaz, onde se descrevem as casas e lugares onde ele e a família viveram, com as confrontações das propriedades e outros pormenores (3): “Por D. João, por graça de Deus, rei de Portugal…Faço saber que o dr. José Vaz de Carvalho, do meu Conselho e Desembargador do paço, me representou por sua petição, que ele era administrador de uma capela a que chamavam de Nossa Senhora do Miradouro, com capela própria, de que era padroeiro, instituída por seu avô Gonçalo Vaz, governador que foi no lugar de S. Miguel de Acha, comarca de Castelo Branco, aonde se achava sita a dita capela. E entre os mais bens que lhe pertenciam, eram umas casas em que o instruidor, na Rua por cima da Praça, assim as de baixo como outras de cima com o seu quintal, poço e pátio e uma casa mais dentro e mais outras casas pegadas, acima, partindo com Rua do conselho e com outra casa que servia de adega, dentro da mesma; mais outra casa com seu pátio pegado com umas casas de Pombal; mais uma casa de forno com casa de forneiro; mais outras casas que ficam ambas pegadas com seus alpendroados (sic) o terceiro defronte e, assim, mais outro quintal de pomar, partindo com as casas cima, tudo místico, no lugar de S. Miguel de Acha, cujas propriedades estavam com crescido dano e arruinadas, razão porque queria o suplicante em lugar das ditas propriedades, que apenas valeriam quatrocentos mil réis; subrogar uma propriedade de um lagar de azeite com uma azenha e um moinho, com sua terra de fora com suas oliveiras, tudo místico, no limite do mesmo lugar, no sitio onde chamam o Ribeiro da Lapa partindo com o mesmo ribeiro e com a terra da Confraria das Almas do mesmo lugar, a qual propriedade vale muito bem seiscentos mil réis, no que ficava com aumento a dita capela, à qual também queria o suplicante vincular uma terra no limite de Proença, na folha do Carvalhal, que parte com D. Brites e António Bandeira do mesmo lugar, que bem valia cinquenta mil réis, E, porque para fazer a dita subrogação necessitava de provisão minha, me pedia que lhe fizesse mercê conceder-lha para poder fazer a troca e subrogação referida.
E, visto seu requerimento em que foi ouvido o imediato sucessor, filho do suplicante, que não teve dúvida, e constar para informação do provedor da comarca de Castelo Branco que as casas acima confrontadas e mais pertenças valerão quatrocentos mil réis e o lagar, azenha e moinho com a sua terra e oliveiras e a outra terra no limite de Proença valem mais de seiscentos mil réis, de que resultava maior utilidade para a capela, hei por bem que o suplicante possa fazer a troca e subrogação referidas, ficando as fazendas referidas que o suplicante oferece unidas e vinculadas à dita capela e livres dela as casas acima declaradas e confrontadas, sitas no lugar de S. Miguel de Acha, sem embargo de serem de capela e das cláusulas da instituição dela, cumprindo-se esta provisão como nela se contém… Em Lisboa Ocidental, 17-06-1738”. Este documento também evidencia as boas relações desta família com o Paço Real, não sendo alheio o facto de vários familiares dos Vaz desempenharem funções importantes no mesmo e na magistratura. Aliás, o filho do capitão, Gonçalo Vaz Preto, nascido em S. Miguel de Acha a 23-11-1643, frequentou a Universidade de Coimbra onde tirou o bacharelato de direito, exercendo a magistratura em várias comarcas, foi ainda desembargador da Relação do Porto, cargo de que se aposentou, ficando a residir no Fundão, onde faleceu. O seu filho, neto de Gonçalo Vaz, dr. José Vaz de Carvalho, que apresentou a petição acima transcrita, também exerceu cargos importantes. Foi através da sua influência que o Fundão foi elevado a Vila (10-05-1747), obtendo o senhorio de S. Miguel de Acha na condição de também o fazer Vila, para o seu filho mais velho (07-10-1751, (na maioria dos documentos a aprece o ano de 1752 como o de elevação a Vila) (4).
Mas para que serviu o Castelo? Segundo José Joaquim Mendes Hormigo (5), esta fortaleza terá desempenhado um papel importante durante o período das guerras de Libertação Nacional (Guerras da Independência 1640-1668) e já no decurso do século XVIII terá sido, além de residência do senhorio de S. Miguel de Acha, quartel de uma companhia de ordenanças. Mais tarde (1800), teria aqui permanecido o Batalhão de Caçadores da Vila de S. Miguel de Acha. O mesmo autor conta que em 1645 dois chefes militares espanhóis, capitão Quintavel e o tenente Gamba, de comum acordo, juntamente com povos vizinhos, organizaram uma campanha de “montados” e invadiram a Serra de Proença e S. Miguel de Acha, assaltando os povos desta região tendo obtido êxito nas suas correrias. Mas os Portugueses não se limitavam a uma atitude de mera defesa; pelo contrário, preparavam-lhes emboscadas e perseguiam-nos até território espanhol, onde lhes pagavam com a mesma moeda.
Continua o mesmo autor. Por esta altura, o Governador militar de S. Miguel de Acha, Gonçalo Vaz, seria o terror nesta zona da soldadesca castelhana e uma vez que estes não puderam caçá-lo, para se desforrar das emboscadas por ele montadas, foi vingar-se no seu pobre e indefeso pastor que assassinaram sem dó nem piedade. Uma outra vez os espanhóis produziram tão grande mortandade de gado aos habitantes de S. Miguel de Acha, que segundo notícias da época a teriam mesmo dizimado toda. Perante esta onda de violência provocando mortes, destruição de fazendas e roubos, a população decidiu construir trincheiras à sua custa, sem o auxílio da Coroa. Mas os melhoramentos de defesa foram insuficientes para conter os ataques e assim, em 1663, Gonçalo Vaz, capitão, terá optado pela construção da fortaleza a que chamamos Castelo. Contudo, face à insuficiência desta fortaleza para conter os ataques, os oficiais da Câmara de S. Miguel de Acha solicitaram de Sua Majestade (1664) a concessão de 80.000 réis do rendimento das despesas do povo, para com essa importância construírem outro reduto em volta da Igreja, com torres altas para defesa e portas fortes para isolamento. Segundo publicação de artigo no Semanário Reconquista, em 20-06-1980, Mons. Con. José Geraldes Freire esclarece que o referido pedido não teve deferimento.
Sob parecer desfavorável da Junta dos Três Estados, a qual em 15 de Março de 1664 disse que as despesas deste género não devem ser pagas pelos fundos das sisas e décimas, mas tirada dos fundos das fortificações, seguiu o referido pedido para sua alteza Real, que em 26-3-1664 remete o requerimento para o Conselho de Guerra, afim de este emitir parecer. Não existe documentação sobre despacho desta petição, onde concluímos que ou não houve parecer ou foi dado parecer desfavorável. O que constatamos é que à volta da Igreja não existem vestígios de nenhuma fortificação, embora o Largo do Reduto e Rua do Reduto se apliquem a locais “vizinhos” do Castelo.
Eis o texto original que se acha no A.N.T.T.” Sinopse dos Decretos remetidos ao extinto Conselho de Guerra” ano de 1664, Março 23-Nº. 2 (6): “Senhor Por decreto do primeiro deste mês de Março mandou V.M. se visse e consultasse nesta Junta uma petição dos oficias da Câmara e mais gente do Povo do lugar de S. Miguel de Acha, termo da Vila de Proença-a-Velha, em que dizem que o dito lugar dista da arraia de Castela cinco léguas, pela qual razão é fácil ao inimigo vir invadir o dito lugar como vem muitas vezes roubá-los, de sorte que têm posto a eles suplicantes em tão miserável estado que, sendo o dito lugar algum dia rico e abastado das melhores fazendas que tem toda a Comarca de Castelo Branco assistindo nele mais de duzentos vizinhos, estão todos em risco de o despovoarem assim pelo inimigo lhes não deixar cultivar as ditas fazendas como em fazer matança neles por ódio que lhes têm feito assim em lhes tirar as presas por muitas vezes como matando-lhes muita gente em lhas fazer largar. E por assim ser lhes têm feito muitas emboscadas com cavalaria para o efeito de os degolar, como neste ano mataram doze homens, os melhores do dito povo. E no tempo que eles suplicantes estavam na propriedade que tinham guarneceram o dito lugar com as trincheiras que tem hoje também fizeram se os não impossibilitaria os muitos roubos que o inimigo lhe faz de contínuo e pagarem a V.M. todos os anos duzentos e cinquenta mil réis de sisa e poderem-no fazer sem que nele se faça um reduto a redor da igreja onde recolham suas fazendas e salvem as vidas quando o poder do inimigo seja tanto que as trincheiras e baluartes se não possam defender. Pedem a V. M., atendendo a suas justas razões, seja servido conceder-lhes oitenta mil réis do rendimento das décimas do dito lugar, abatendo-lhos por um ano em seu cômputo, que é o que lhes levam os pedreiros somente de suas mãos, que tudo o mais necessário de pedra e barro e mais achegas querem eles suplicantes dar á sua custa, o que esperam este e outros maiores favores da católica e real pessoa de V.M., pois tanto á custa de suas vidas e fazendas defendem lealmente o dito lugar”.
Como vimos o Castelo encerra muito da história de S. Miguel de Acha a que alguns de nós tem passado despercebida. Uma fortaleza construída para defesa e habitação do senhorio de S. Miguel de Acha, mais tarde acolheu o Batalhão De Caçadores e com a venda dos bens da Ordem de Cristo (1834) o Castelo foi comprado pela família Saldanha, Marqueses de Rio Maior. Em 1927 foi vendido por Maria Isabel Saldanha de Oliveira e Sousa, filha do 7º. Conde de Rio Maior, a João dos Santos Magro.
Hoje, restam as casas no seu interior em mau estado e uma pequena muralha quase em ruinas. Do lado sul foi construído um lagar, encostado ao Castelo e que mais tarde passou a servir de palheiro.
Mas o Castelo também tem uma lenda mourisca. Em S. Miguel de Acha, há sempre uma lenda dos mouros por trás de cada história, sitio ou lugar. O Castelo não podia fugir à regra. Conta-se que o Castelo primitivo foi fundado por um mouro, pai da princesa Ache, mas sobre as ruinas desse Castelo nada existe, a não ser mesmo a lenda.  

Manuel Ruivo
Janeiro 2012


Nota: Agradecemos ao Rui Salgueiro a documentação que nos facultou sobre este tema.

1– Artigo Semanário Reconquista em 03-04-1980
2- Artigo Semanário Reconquista em 20-06-1980, José Geraldes Freire
3- A.N.T.T. Chanc. D. João V, liv. 196, fl. 205
4- Artigo Semanário Reconquista em 03-04-1980, Eng.º. Manuel Silva Castelo Branco
5- Artigo Semanário Reconquista em 24-04-1980, Eng.º. José Joaquim Mendes Hormigo
6- Artigo Semanário Reconquista em 11-04-1980, Eng.º. Manuel Silva Castelo Branco