Castelo de S. Miguel de Acha
O Castelo de S. Miguel de Acha, que fr.
José Esteves Ferreira ao fazer o relatório paroquial em 1758 sobre S. Miguel de
Acha o classifica como de muita pouca fortaleza, é construído em 1663, pelo
então Governador capitão Gonçalo Vaz, cuja pedra com a inscrição se encontra
sobre a porta de entrada para a antiga forja de João Santos Magro e hoje
pertença dos seus herdeiros. Segundo o Eng.º Manuel da Silva Castelo Branco
(1), Gonçalo Vaz nasceu na Lousa, onde foi baptizado a 05-06-1615, casou em S.
Miguel de Acha em 28-08-1641 com Susana Fernandes Preto, filha de Gaspar
Domingues, um dos maiores lavradores da região, e de Susana Fernandes de
Proença-a-Velha, vindo a falecer em 1675 e segundo rezam as crónicas foi
sepultado na “hermida do nome de Deus”. No assento de óbito, “o vigário fr.
António Martins, declara por ser anexa a Igreja Parrochial se lhe deo sepultura
nella fazendosse por de não prejudicar ao Direito parrochial em todo o tempo de
mundo” (2). Ao que julgamos trata-se da Capela do Menino de Deus, pois é a
única que fica perto da Igreja e que mais tornar-se-á num forno, sendo demolido
em 1967 para construção de casa de habitação.
É também este Governador que manda
edificar a Capela de Nossa Senhora do Miradouro.
Gonçalo Vaz passa a ser um lavrador
abastado com várias terras, fazendo parte da nobreza rural. Em 17-06-1738 uma
provisão de D. João V, autoriza o dr. José Vaz de Carvalho a subrogar certas
propriedades pertencentes à Capela de Nossa Senhora do Miradouro, sita em S.
Miguel de Acha, instituída por seu avô o capitão Gonçalo Vaz, onde se descrevem
as casas e lugares onde ele e a família viveram, com as confrontações das
propriedades e outros pormenores (3): “Por D. João, por graça de Deus, rei de
Portugal…Faço saber que o dr. José Vaz de Carvalho, do meu Conselho e
Desembargador do paço, me representou por sua petição, que ele era
administrador de uma capela a que chamavam de Nossa Senhora do Miradouro, com capela
própria, de que era padroeiro, instituída por seu avô Gonçalo Vaz, governador
que foi no lugar de S. Miguel de Acha, comarca de Castelo Branco, aonde se
achava sita a dita capela. E entre os mais bens que lhe pertenciam, eram umas
casas em que o instruidor, na Rua por cima da Praça, assim as de baixo como outras
de cima com o seu quintal, poço e pátio e uma casa mais dentro e mais outras
casas pegadas, acima, partindo com Rua do conselho e com outra casa que servia
de adega, dentro da mesma; mais outra casa com seu pátio pegado com umas casas
de Pombal; mais uma casa de forno com casa de forneiro; mais outras casas que
ficam ambas pegadas com seus alpendroados (sic) o terceiro defronte e, assim,
mais outro quintal de pomar, partindo com as casas cima, tudo místico, no lugar
de S. Miguel de Acha, cujas propriedades estavam com crescido dano e
arruinadas, razão porque queria o suplicante em lugar das ditas propriedades,
que apenas valeriam quatrocentos mil réis; subrogar uma propriedade de um lagar
de azeite com uma azenha e um moinho, com sua terra de fora com suas oliveiras,
tudo místico, no limite do mesmo lugar, no sitio onde chamam o Ribeiro da Lapa
partindo com o mesmo ribeiro e com a terra da Confraria das Almas do mesmo
lugar, a qual propriedade vale muito bem seiscentos mil réis, no que ficava com
aumento a dita capela, à qual também queria o suplicante vincular uma terra no
limite de Proença, na folha do Carvalhal, que parte com D. Brites e António
Bandeira do mesmo lugar, que bem valia cinquenta mil réis, E, porque para fazer
a dita subrogação necessitava de provisão minha, me pedia que lhe fizesse mercê
conceder-lha para poder fazer a troca e subrogação referida.
E, visto seu requerimento em que foi
ouvido o imediato sucessor, filho do suplicante, que não teve dúvida, e constar
para informação do provedor da comarca de Castelo Branco que as casas acima
confrontadas e mais pertenças valerão quatrocentos mil réis e o lagar, azenha e
moinho com a sua terra e oliveiras e a outra terra no limite de Proença valem
mais de seiscentos mil réis, de que resultava maior utilidade para a capela,
hei por bem que o suplicante possa fazer a troca e subrogação referidas,
ficando as fazendas referidas que o suplicante oferece unidas e vinculadas à
dita capela e livres dela as casas acima declaradas e confrontadas, sitas no
lugar de S. Miguel de Acha, sem embargo de serem de capela e das cláusulas da
instituição dela, cumprindo-se esta provisão como nela se contém… Em Lisboa
Ocidental, 17-06-1738”. Este documento também evidencia as boas relações desta
família com o Paço Real, não sendo alheio o facto de vários familiares dos Vaz
desempenharem funções importantes no mesmo e na magistratura. Aliás, o filho do
capitão, Gonçalo Vaz Preto, nascido em S. Miguel de Acha a 23-11-1643,
frequentou a Universidade de Coimbra onde tirou o bacharelato de direito, exercendo
a magistratura em várias comarcas, foi ainda desembargador da Relação do Porto,
cargo de que se aposentou, ficando a residir no Fundão, onde faleceu. O seu
filho, neto de Gonçalo Vaz, dr. José Vaz de Carvalho, que apresentou a petição
acima transcrita, também exerceu cargos importantes. Foi através da sua
influência que o Fundão foi elevado a Vila (10-05-1747), obtendo o senhorio de
S. Miguel de Acha na condição de também o fazer Vila, para o seu filho mais
velho (07-10-1751, (na maioria dos documentos a aprece o ano de 1752 como o de
elevação a Vila) (4).
Mas para que serviu o Castelo? Segundo
José Joaquim Mendes Hormigo (5), esta fortaleza terá desempenhado um papel
importante durante o período das guerras de Libertação Nacional (Guerras da
Independência 1640-1668) e já no decurso do século XVIII terá sido, além de
residência do senhorio de S. Miguel de Acha, quartel de uma companhia de
ordenanças. Mais tarde (1800), teria aqui permanecido o Batalhão de Caçadores
da Vila de S. Miguel de Acha. O mesmo autor conta que em 1645 dois chefes
militares espanhóis, capitão Quintavel e o tenente Gamba, de comum acordo,
juntamente com povos vizinhos, organizaram uma campanha de “montados” e
invadiram a Serra de Proença e S. Miguel de Acha, assaltando os povos desta
região tendo obtido êxito nas suas correrias. Mas os Portugueses não se
limitavam a uma atitude de mera defesa; pelo contrário, preparavam-lhes
emboscadas e perseguiam-nos até território espanhol, onde lhes pagavam com a mesma
moeda.
Continua o mesmo autor. Por esta
altura, o Governador militar de S. Miguel de Acha, Gonçalo Vaz, seria o terror
nesta zona da soldadesca castelhana e uma vez que estes não puderam caçá-lo,
para se desforrar das emboscadas por ele montadas, foi vingar-se no seu pobre e
indefeso pastor que assassinaram sem dó nem piedade. Uma outra vez os espanhóis
produziram tão grande mortandade de gado aos habitantes de S. Miguel de Acha,
que segundo notícias da época a teriam mesmo dizimado toda. Perante esta onda
de violência provocando mortes, destruição de fazendas e roubos, a população
decidiu construir trincheiras à sua custa, sem o auxílio da Coroa. Mas os
melhoramentos de defesa foram insuficientes para conter os ataques e assim, em
1663, Gonçalo Vaz, capitão, terá optado pela construção da fortaleza a que
chamamos Castelo. Contudo, face à insuficiência desta fortaleza para conter os
ataques, os oficiais da Câmara de S. Miguel de Acha solicitaram de Sua
Majestade (1664) a concessão de 80.000 réis do rendimento das despesas do povo,
para com essa importância construírem outro reduto em volta da Igreja, com
torres altas para defesa e portas fortes para isolamento. Segundo publicação de
artigo no Semanário Reconquista, em 20-06-1980, Mons. Con. José Geraldes Freire
esclarece que o referido pedido não teve deferimento.
Sob parecer desfavorável da Junta dos
Três Estados, a qual em 15 de Março de 1664 disse que as despesas deste género
não devem ser pagas pelos fundos das sisas e décimas, mas tirada dos fundos das
fortificações, seguiu o referido pedido para sua alteza Real, que em 26-3-1664
remete o requerimento para o Conselho de Guerra, afim de este emitir parecer. Não
existe documentação sobre despacho desta petição, onde concluímos que ou não
houve parecer ou foi dado parecer desfavorável. O que constatamos é que à volta
da Igreja não existem vestígios de nenhuma fortificação, embora o Largo do
Reduto e Rua do Reduto se apliquem a locais “vizinhos” do Castelo.
Eis o texto original que se acha no
A.N.T.T.” Sinopse dos Decretos remetidos ao extinto Conselho de Guerra” ano de
1664, Março 23-Nº. 2 (6): “Senhor Por decreto do primeiro deste mês de Março
mandou V.M. se visse e consultasse nesta Junta uma petição dos oficias da
Câmara e mais gente do Povo do lugar de S. Miguel de Acha, termo da Vila de
Proença-a-Velha, em que dizem que o dito lugar dista da arraia de Castela cinco
léguas, pela qual razão é fácil ao inimigo vir invadir o dito lugar como vem
muitas vezes roubá-los, de sorte que têm posto a eles suplicantes em tão
miserável estado que, sendo o dito lugar algum dia rico e abastado das melhores
fazendas que tem toda a Comarca de Castelo Branco assistindo nele mais de
duzentos vizinhos, estão todos em risco de o despovoarem assim pelo inimigo
lhes não deixar cultivar as ditas fazendas como em fazer matança neles por ódio
que lhes têm feito assim em lhes tirar as presas por muitas vezes como
matando-lhes muita gente em lhas fazer largar. E por assim ser lhes têm feito
muitas emboscadas com cavalaria para o efeito de os degolar, como neste ano
mataram doze homens, os melhores do dito povo. E no tempo que eles suplicantes
estavam na propriedade que tinham guarneceram o dito lugar com as trincheiras
que tem hoje também fizeram se os não impossibilitaria os muitos roubos que o
inimigo lhe faz de contínuo e pagarem a V.M. todos os anos duzentos e cinquenta
mil réis de sisa e poderem-no fazer sem que nele se faça um reduto a redor da
igreja onde recolham suas fazendas e salvem as vidas quando o poder do inimigo
seja tanto que as trincheiras e baluartes se não possam defender. Pedem a V.
M., atendendo a suas justas razões, seja servido conceder-lhes oitenta mil réis
do rendimento das décimas do dito lugar, abatendo-lhos por um ano em seu
cômputo, que é o que lhes levam os pedreiros somente de suas mãos, que tudo o
mais necessário de pedra e barro e mais achegas querem eles suplicantes dar á
sua custa, o que esperam este e outros maiores favores da católica e real
pessoa de V.M., pois tanto á custa de suas vidas e fazendas defendem lealmente
o dito lugar”.
Como vimos o Castelo encerra muito da
história de S. Miguel de Acha a que alguns de nós tem passado despercebida. Uma
fortaleza construída para defesa e habitação do senhorio de S. Miguel de Acha,
mais tarde acolheu o Batalhão De Caçadores e com a venda dos bens da Ordem de
Cristo (1834) o Castelo foi comprado pela família Saldanha, Marqueses de Rio
Maior. Em 1927 foi vendido por Maria Isabel Saldanha de Oliveira e Sousa, filha
do 7º. Conde de Rio Maior, a João dos Santos Magro.
Hoje, restam as casas no seu interior
em mau estado e uma pequena muralha quase em ruinas. Do lado sul foi construído
um lagar, encostado ao Castelo e que mais tarde passou a servir de palheiro.
Mas o Castelo também tem uma lenda
mourisca. Em S. Miguel de Acha, há sempre uma lenda dos mouros por trás de cada
história, sitio ou lugar. O Castelo não podia fugir à regra. Conta-se que o
Castelo primitivo foi fundado por um mouro, pai da princesa Ache, mas sobre as
ruinas desse Castelo nada existe, a não ser mesmo a lenda.
Manuel Ruivo
Janeiro 2012
Nota: Agradecemos ao Rui Salgueiro a
documentação que nos facultou sobre este tema.
1– Artigo Semanário Reconquista em
03-04-1980
2- Artigo Semanário Reconquista em
20-06-1980, José Geraldes Freire
3- A.N.T.T. Chanc. D. João V, liv.
196, fl. 205
4- Artigo Semanário Reconquista em
03-04-1980, Eng.º. Manuel Silva Castelo Branco
5- Artigo Semanário Reconquista em
24-04-1980, Eng.º. José Joaquim Mendes Hormigo
6- Artigo Semanário Reconquista em 11-04-1980,
Eng.º. Manuel Silva Castelo Branco