sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Caminhadas com estórias



Num cumprimento de chegada, igual a tantos outros, deparou-se a ocasião de falar sobre coisas que havia em S. Miguel, que nem todos conheciam e bonitas de se ver. Isto, claro, dependente sempre do gosto e do interesse de cada personagem. E escrevo personagem porque considero a nossa terra, vista por mim, uma terra de “personagens”. Há sempre os que querem ver, os que gozam com os que vêm e os que não querem ver. Estes últimos situam-se num patamar de superioridade intelectual, pois conseguem discernir o que é importante, menos importante e sem interesse, sem necessidade de verem, claro está, a coisa. Mas também de “personagens” que já partiram e que deixaram lembranças pela sua forma peculiar de vida.
O meu interlocutor disponibilizou-se para me mostrar alguns desses lugares, convencido estava de que eu era daquelas personagens que me interessava pela coisa, desconhecendo o meu fraco conhecimento sobre a mesma e a noção distorcida dessa realidade que são as memórias do habitat de um povo: lugares, caminhos, lendas, achados arqueológicos (?) e, no geral, suposições a que sou pouco dado, não por falta de quem as tenha mas porque me falta a imaginação e sem esta, principalmente na nossa terra, estamos perdidos e nada temos para falar.
Aceitei o desafio em jeito de convite. Desenhamos o programa que no decurso seria alterado. Ficamos marcados para a próxima terça-feira.
Terça-feira, no alvor da manhã e com o cheiro fresco da terra a entrar pelas narinas, subimos pela Barreira do Constante em direcção à Tapada da Moura. Contornamos o chão do Violinha e numa ligeira descida à esquerda encontramos a tal pedra que encerrava motivo de interesse. Uma rocha esburacada, espécie única, com várias poças pequenas no interior e de lado, apresentava-se à nossa frente. O meu guia inclinava-se a que servisse de cantareira, serventia dos donos de alguma casa ou choça. A erosão era um sinal permanente na configuração das múltiplas formas inseridas todas bem desenhadas e de tamanho idêntico. A dúvida instala-se. Se aproveitamento do homem com pequenas alterações após a erosão ou fruto só da erosão? A minha falta de capacidade para análise do assunto em causa, que acima espelhei, vem ao de cima. O meu guia vê em todos os contornos mão de homem e convencido tenta convencer-me. De uma coisa tenho a certeza, a dita rocha nas suas formas estranhas e únicas merece estar no centro da povoação, aproveitando a sua originalidade como um ponto de interesse em terra de pedreiros.
Após as fotografias da praxe nova proposta: direitos ao caminho da serra para a Tapada do Japone. O Japone é uma daquelas “personagens” esotéricas que cultiva uma vida de difícil compreensão para o comum dos mortais. Pouco se sabe dele. Há quem diga que regressou a S. Miguel após alguns anos no sul do país. Tinha um irmão que chegou a Presidente da Junta de Freguesia e que dava pelo nome de José Joaquim. Também tinha alguns bens, além da Tapada na Serra tinha a Horta do Rossio e uma propriedade na Fonte de Sinos. Mas é aqui em plena serra que se avista uma das melhores paisagens de S. Miguel. Bem no cimo das fragas que encimavam a serra encontrava-se uma espécie de guarita, toda em pedra, com pequena ranhura horizontal e onde só cabe um homem. Em baixo a antiga e pequena casa de pedra do Japone, sem telha, circundada também por um muro de pedra com o mato encostado à sua volta, da sepultura em pedra mandada fazer ao Ti Joaquim Pires nada vimos. Ambas as construções tinham a data de 1951 na pedra por cima da porta. Achei que sessenta anos ainda eram muito pouco tempo para tanta falta de memória. Recolhemos tanta informação, reconstruímos à volta da conversa de café memórias sem fim que afinal de nada servem. A verdade misturada na lenda terá sido e ainda será, hoje por motivos diferentes, o nosso único olhar do que fomos com receio de distorções do que somos?
Em frente dos nossos olhos, num vale imenso, desenhava-se o Oledo. Ao fundo a Calçadinha com a sua planície ainda pintalgada de verde, mais à frente o Ribeiro da Caniça, atrás a Mina da Seicheira, ao lado o Forno da Arcada e ainda mais atrás a Fonte de S. Pedro. A luz nascente envolvia-nos. Descansamos um pouco nesta quietude feita de silêncio. Mas quem anda no campo tem tempos diferentes de quem está de férias e nova proposta. Ainda era bastante cedo, havia ainda tempo para visita à Tapada da Sepultura, nos Barros, a caminho da Vigia e na direcção da Tapada do Ribeiro.
Cavada na rocha e em muito bom estado encontrava-se o que se pensa ser uma sepultura de origem romana. Outra opinião tem, a este respeito, o estudioso Prof. António Maria Romeiro Carvalho, que nos diz:
”Três são as dúvidas sobre se as «sepulturas» escavadas na rocha terão tido esta função: número reduzido; muito dispersas e afastadas de qualquer povoado; não terem tampa. O processo de cristianização lançou o anátema sobre todas as religiões que englobou no colectivo de pagãs. Uma delas, a religião mitraica, foi a sua principal adversária até ao século IV. Derrotada, passou a perseguida, como todas as restantes.
As «sepulturas» escavadas na rocha serão, não sepulturas cristãs, mas taurobólios mitraicos,
utilizados antes e depois do século IV, onde os iniciados eram aspergidos com o sangue do
touro. «Sepulturas» será a designação por força da falta de outra palavra e pela força do processo de cristianização que, não podendo apagar, apropria-se.
Para o provar, percorreram-se dezenas de quilómetros por todo o Concelho de Idanha-a-Nova, fotografaram-se «sepulturas», entrevistaram-se residentes conhecedores destas desde a mocidade.”
Deixo-vos com esta reflexão e com as respectivas fotografias.
Agradeço ao meu guia, Zé Manel Torrinho, pelo seu bom conhecimento dos terrenos e também pela sua generosidade e paciência.

Manuel Ruivo
Setembro2011

















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