S. Miguel d’Acha
História, lugares e caminhos
Foi em Porença-a-Velha que encontrei as origens de S. Miguel de Acha a cuja freguesia pertenceu até 1752, bem como a Aldeia de Sta. Margarida, esta até à reforma administrativa de 1835.
Em 1218 Proença-a-Velha recebe foral de D. Pedro Alvites, mestre da Ordem dos Templários, em carta concedida com o beneplácito de D. Afonso II, até esta data tinha pertencido a Idanha-a-Velha, antiga Egitânea. Também em 1201 D. Sancho I atribui foral a Idanha-a-Nova. Antes, em 1165, D. Afonso Henriques tinha feito uma vasta e fortíssima doação aos Templários, D. Gualdim Pais, da região da Idanha-a-Velha e de Monsanto com os limites: “seguindo o curso da água do rio Erges e entre o seu reino e o de “Legiones” até entrar no rio Tejo e da outra parte seguindo o curso da água do rio Zêzere que igualmente entra no Tejo”. Em 1187 é erguido em Idanha-a-Nova um castelo pela Ordem dos Templários. D. Sancho I, em 1189, concede a Penamacor foral e entrega-a também à Ordem dos Templários.
Os primeiros reis de Portugal, após a conquista de muitos territórios aos mouros, seguem uma política de defesa e repovoamento dos mesmos, entregando as terras à Ordem Religiosa dos Templários.
S. Miguel de Acha, ao tempo, é, pois, um pequeno lugar, onde provavelmente viviam unicamente pastores de forma dispersa, sendo curioso que um historiador ilustre, de seu nome Pinho Leal, considere que a palavra Acha deriva da palavra árabe axxat, que significa ovelha, vindo o lugar a ser conhecida por povoação da ovelha (1). No dicionário Vestígios da Lingoa Arábica em Portugal encontrei uma designação para a palavra Ayxa “ (âixa – nome próprio de mulher). A vivente: assim foi chamada a mulher de Mafoma (profeta), e a mais querida entre as mais que teve. Deriva-se do verbo âxa viver. Também he nome de Aldêa na Provincia d’entre o Douro e Minho, Arcebispado de Braga, que vem a ser Aldêa de Ayxa, Senhora, ou fundadora dela. Chorographia Portugueza (2).” Virá daqui a origem da lenda misturada coma realidade? Ainda à volta deste tema encontrei no Boletin de la Junta Central de Colonizacion y Replublación Interior, da Catalunha, Espanha, uma tradução de axxat: senhor ou proprietário do local. Assim, parece que com a reconquista cristã e consequente expulsão dos árabes foi acrescentado o nome do Arcanjo guerreiro, S. Miguel. Mas até a espada que tem na mão é parecida com a Cimitarra mourisca.
Em 1314 a Ordem dos Templários é substituída pela Ordem de Cristo por D. Dinis, que transfere todos os seus bens para esta. A partir daqui começamos sempre a ouvir falar da Ordem de Cristo em toda a região. Neste reinado a 6 Setembro de 1316 (Doc. 4812 XIX, 5-49, Torre do Tombo, vol. 10, pag. 3), existe uma referência a S. Miguel (3): “confirmação feita a el-rei da sua apresentação das igrejas de Sta. Maria de Idanha-a-Nova e Velha e de S.Miguel d’Acha, bispado da Guarda.”
Até 1505 S. Miguel de Acha vai-se desenvolvendo à volta de uma ermida que provavelmente hoje é a sacristia da Igreja. É possível que assim seja, uma vez que a sua construção é independente da Igreja e até a porta de acesso interior é a evidência de que antes seria uma porta principal. A povoação vai-se erguendo à volta desta ermida, sendo a construção das casas, no perímetro do que hoje é a Igreja, das mais antigas de S. Miguel, a tipologia das mesmas era idêntica, de pequena dimensão e as ruas estreitas, denotando uma pequena população sem grandes meios.
Em 1505, no Tombo da Comenda, é definido o limite e termo de Proença-a-Velha, que inclui as freguesias de S. Miguel de Acha e Aldeia de Sta. Margarida. “Começa o dito termo e limite da dita Villa de Proença na foz do Ribeiro da Caniça, onde se mete na Ribeira de Alpreade e leva a dita ribeira acima até onde se mete a dita ribeira na Ribeira de Taveirol, e de si por Taveirol acima até à Ribeira de Ceife.” Mais á frente continua: “...partindo com a Idanha-a-Nova até à Fonte da Calada daí passa o Ribeiro da Canada e vai pelo lombo acima até à pedra da cruz e daí vai direito à estrada que vai de Proença para a Idanha-a-Nova. E daí vai direito ao Cabeço da Urra e daí se vai ao lombo a fundo direito à Ribeira da Caniça e vai pela dita ribeira abaixo até meter em Alpreade onde começou (4).”
Em 1505 e posteriormente em 1537 a Igreja já é visitada por clérigos responsáveis das freguesias de Proença e S. Miguel de Acha, que dão nota da necessidade de se efectuarem obras na mesma, o que confirma a importância deste lugar (5).
Em 1510 Proença recebe novo foral por D. Manuel I, que também o outorga a Penamacor.
Entretanto o crescimento de S. Miguel faz-se a bom ritmo ao que também que não dever ser alheia a exploração mineira. Em 20.02.1640 é referida a ligação de Catarina Bentes a Bento Fernandes, julgando-se que os Bentes de S. Miguel de Acha são todos descendentes desta família (6). No ano de 1648 casam-se Amaro Gonçalves e Maria Fernandes e, segundo se pensa, dão origem à família Amaro em S. Miguel e em 1680 aparece um registo de João Fernandes Milheiro, nascido em S. Miguel de Acha e que fixa residência no Oledo (7). No ano de 1663 é construído o Castelo que o Pe. José Ferreira Esteves, pároco de S. Miguel, em 1758 classificou como de muito pouca fortaleza.
Em 1708 encontramos nova referência a S. Miguel de Acha na Corografia Portuguesa do Pe. António Carvalho da Costa: “S. Miguel d’Acha, Vigararia da Ordem de Cristo, que apresenta Mesa de Consciência, tem 220 vizinhos, quatro Ermidas e um Juiz ordinário no cível”. Aqui estranha-se ao facto de não referenciar a Igreja, cuja Torre Sineira foi construída em 1701. A Torre da Igreja de S. Miguel é uma das maiores da zona, o que indica alguma importância já do lugar. Quanto às ermidas seriam provavelmente as de Capela do Menino de Deus, Apóstolo S. Pedro, S. António e de Sta. Catarina, que na altura se encontrava noutro local e era-lhe prestada muita devoção já em Alpedrinha no sec. XVI. Finalmente, em 1752, D. José I (1750-1777) faz Vila S. Miguel de Acha, antes, em 1747, D. João V faz concelho a Vila do Fundão. No ano de 1759 a Igreja matriz de S. Miguel de Acha é concluída e é claramente uma das mais bonitas das freguesias vizinhas. O retábulo do altar-mor foi construído em talha dourada e telas pintadas com motivos de invocação a Nossa Senhora, à direita a imagem de Nossa Senhora do Rosário, muito antiga e de muito valor e à esquerda S. Miguel Arcanjo, protector de S. Miguel de Acha. Ainda existem mais quatro altares laterais com imagens de rara beleza, mas alguma coisa se perdeu como iremos constatar a seguir.
Em 25 de Junho de 1758, Frei José Ferreira Esteves, Vigário de S. Miguel de Acha, da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, apresentado pela Mesa da Consciência e colado pelo Ordinário do Bispado, em resposta ao inquérito mandado efectuar a todas as paróquias pelo Pe. Luis Cardoso da Congregação do Oratório de Lisboa, com a autorização do Marquês de Pombal, após perda no terramoto de 1755 do espólio das memórias dos párocos, refere que S. Miguel é vila sobre si, freguesia própria e fica no Bispado da Guarda, Comarca de Castelo Branco. A Igreja matriz está dentro da vila. É Orago o Arcanjo S. Miguel, tem quatro altares: o Altar-mor onde está erecta a Irmandade das Almas, o altar de Nossa Senhora do Rosário o do Divino Espírito Santo e o de Sto. António. Após a indicação do que lhe é atribuído pela população para seu sustento, refere as ermidas de S. Miguel: a ermida da invocação da Senhora do Remédio dentro da mesma vila, Sta. Catarina, S. Sebastião, Capela do Menino de Deus e Apóstolo S. Pedro estão fora da vila. A Sra. do Miradouro também está dentro da vila e o seu padroeiro é o desembargador abaixo indicado. Refere ainda que costumam vir em romagem muitas pessoas no dia S. Bartolomeu em louvor do mesmo Santo, que se encontra colocado dentro da ermida da Senhora do Remédio, como também à Sra. do Miradouro em vários dias do ano. Tem cento e oitenta e nove vizinhos, quinhentas e três pessoas de confissão e comunhão, e de confissão cento e treze pessoas. Refere ainda a Fonte de Sinos, cujas águas tinham a virtude de curar obstruções. Indica o que se produz em S. Miguel: trigo, centeio, azeite e vinho, feijão e milho em menos quantidade. Informa que as muralhas são de muito pouca fortaleza, embora o seu reduto e casas esteja bem reparado. Não tem correios. Fala das minas onde trabalham muitos operários e onde se extrai das pedras da mesma ouro, prata, cobre, estanho e chumbo, que são conduzidas para a capital de Lisboa que dista 42 léguas (em 1859 o geólogo Carlos Ribeiro publica o 1º. Estudo das minas de chumbo de S. Miguel e de Segura). Indica o Ribeiro do Lugar que se inicia no chafariz da Mogueira, de um lagar de azeite que anda com a água deste ribeiro e um outro a um quarto de légua deste. Menciona o Ribeiro do Freixial ou da Lapa e que neste se mete um que chamam o dos Cesmos e outro dos Álamos e na junção destes está um moinho de moer pão que tem dois casais, mais á frente deste fala de outros moinhos e de um outro lagar. Apresenta como Donatário da Vila o Desembargador Gonçalo José da Silveira Preto da vila do Fundão (pai de José Vaz de Carvalho, sendo que dois filhos deste, Gonçalo José Vaz de Carvalho e José Vaz de Carvalho da Silveira Preto, são respectivamente 1º Visconde de Monção, Senhor de S. Miguel de Acha e outro Fidalgo da Casa Real Cavaleiro da Ordem de Cristo e Morgado de S. Miguel de Acha). Destaca ainda personagens ilustres, uma delas, Gonçalo Vaz Preto, Juiz Conservador da Universidade de Coimbra, sobre esta personagem ilustre refere-se em documento genealógico: ”…casamento de Gonçalo Vaz Preto nascido em 1643,em S. Miguel de Acha, casado com Inês Falcão de Carvalho do Fundão, pouco mais se sabe… (8). Um outro refere ainda: ”…surgem do casamento de Gonçalo Vaz Preto de S. Miguel de Acha e de Inês Falcão de Carvalho do Fundão…porque deste casamento apenas surge o desembargador José Vaz de Carvalho…” (9). Mas existe outra referência importante sobre esta família: “…Gonçalo Vaz, que fez construir o castelo de S. Miguel de Acha (1663), e aí casou com D. Susana Fernandes Preto. Este Gonçalo foi avô de José Vaz de Carvalho (n. 1673), desembargador do Paço no reinado de D. João V, por influência do qual o Fundão foi elevado à categoria de vila em 1746” (10). A referência a novos familiares vem a seguir:” José Vaz de Carvalho da Silveira Preto, Fidalgo da Casa Real, Cavaleiro da Ordem de Cristo, filho de Gonçalo José da Silveira Preto de Carvalho, Juiz da Coroa, Conselheiro da Fazenda e Ultramar, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, Alcaide-mór de Monção e snr. do Morgado de S. Miguel da Acha e de sua mulher D. Filipa Catarina de Aguilar da Gama Sotomaior. O filho primogénito foi Gonçalo José Vaz de Carvalho, 1.° Visconde de Monção (D. de 22 de Dezembro de 1849), Alcaide-mór da vila de Monção, Sr. de S. Miguel de Acha, Deputado da Nação (1853), Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, Bacharel formado em Leis, nasceu a 17 de Setembro de 1779 e faleceu em 11 de Novembro de 1869, tendo casado duas vezes… ” (11).
As campanhas militares da Restauração após 1640 e a guerra da Sucessão em Espanha, para a qual Portugal é arrastado a partir de 1704, fazem com que se desloquem tropas para a Beira, além de outros lados. Muitos oficiais acabaram por se fixar nesta região, onde por laços de casamento se vão ligar a importantes famílias locais cuja riqueza se baseava na posse de terra. Este é o facto que explica que muitos destes ilustres senhores estivessem ligados a famílias de outras regiões.
Em Março de 1823 nova referência à Vila de S. Miguel de Acha no Diário do Governo ao tempo de D. João VI, reforçando adesão à sua causa e criticando acções do “infame” Conde de Amarante e dos Portugueses que se lhe juntaram “perfidios e perjuros” na Província de Trás-os Montes: “ Senhor, - A Câmara Constitucional da Villa de S. Miguel de Acha, Comarca de Castelo Branco, em seu nome e de todos os habitantes da Villa, não podia imaginar que viesse uma época, em que fosse necessário renovar os votos, de inviolável adhesão ao Systema Constitucional, que felizmente nos rege...Deus guarde a V. Majestade, em Câmara de 23 de Março de 1823 – João Fernandes Magro de Carvalho, Presidente; João Gonçalves, Vereador; João Robalo, Vereador; Manoel José Pires, Procurador; Domingos Nunes da Silveira, Escrivão da Câmara (12).”
Com a Reforma Administrativa do liberalismo iniciada em 1832, vários concelhos são extintos, tal como o caso de Proença-a-Velha. Em 1834 no governo de D. Pedro IV, o seu ministro Joaquim António de Aguiar (ficou conhecido por Mata Frades) decretou a extinção das Ordens Religiosas, sendo os seus bens incorporados na Fazenda Nacional. Os bens das Ordens serão vendidos até finais de 1900. Em 1869, como refere Luis Espinha Silveira, até terrenos baldios não fogem a este furor legislativo de apropriação e posterior venda.
A este respeito o Boletim Informativo ADEPAC publica em Julho 2010 um artigo sobre uma freira Dominicana de seu nome Teresa Saldanha cuja ordem tinha bens em S. Miguel. Não constam registos desta Ordem em S. Miguel fundada em 1866. Ao que apuramos, segundo um artigo do Mons. Con. José Geraldes Freire no semanário Reconquista (13), esta era filha do 3º. Conde de Rio Maior, João de Saldanha Oliveira Juzarte Figueira e Sousa e de Isabel Maria Sousa Botelho a cuja família foram vendidos os bens da Ordem de Cristo em S. Miguel de Acha, após a sua extinção em 1834, sendo natural que tenha herdado bens em S. Miguel.
Em resumo, a maior informação que temos de S. Miguel de Acha é entre o ano de 1700 a inícios do ano 1900. Em 1801 tinha 701 habitantes. Algumas capelas indicadas pelo Frei José F. Esteves foram destruídas. Não existia a capela de S. Bartolomeu e este encontrava-se na capela da Sra. do Remédio, também se perdeu a devoção a este Santo. O altar da Sra. do Rosário é trocado pelo de N.S. Fátima (1º. Aparição em 1917) e esta passa para o Altar-mor. O Altar das Almas passa para lateral Sto. António é substituído por S. José (?) e acrescenta-se o Altar do Sagrado Coração de Jesus. A veia de destruição de capelas em S. Miguel manteve-se, pois também foi demolida a de Sto. António por volta de 1931/1932 servindo as pedras para a construção da escola das raparigas.
Na década de trinta ficamos também a conhecer, através de um pequeno livro que se encontra na Biblioteca de Castelo Branco, a disputa de poder entre duas famílias, a família Feyo e a família Boavida, onde se pretende ridicularizar algumas obras feitas pelos últimos, nomeadamente a transladação dos restos mortais do cemitério antigo no Rossio (quintal do Sr. Francisco Rolo) para o novo.
A partir de 1900 a população S. Miguel dedica-se ao trabalho rural, algum fabrico de telha e à descoberta de minério, volfrâmio (14). Em 1941, num Livro do Posto de Despiolhagem e Desinfecção de Penha Garcia, Monfortinho, Salvaterra do Extremo e S. Miguel de Acha (15), são referidos dados da vida quotidiana na Raia Centro em Idanha-a-Nova sobre composição dos lares e contrariamente ao que se pensa os lares mais frequentes são com três membros. A natalidade e mortalidade eram muito elevadas e a seguir ao modo como se vestiam as pessoas são descritas a tipologia de habitação: casas que não excediam os 30 m2 nas melhores das hipóteses com divisões de taipa e em regra só existia uma cama que era a do casal. A nível de higiene S. Miguel ganha a todos as outras, pois as casas apresentavam-se limpas na quase totalidade dos casos. Na alimentação o velho ditado: “Encha-se o Tambor, seja do que for”. A maioria da população come caldo com um pedaço de toucinho ou farinheira quando havia e pão em doses pequenas de trigo ou centeio conforme as posses. O pão era o centro e motivo primeiro do trabalho. A riqueza da aldeia é mesmo definida pela produção deste cereal e é pecado não o colocar sempre de costas no cesto ou não o beijar quando se apanha do chão. A economia assenta no sector primário, 67% dos recenseados trabalha na agricultura. O trabalho por conta de outrem domina as suas vidas e o orçamento familiar, ajudado por uma ou outra horta de pequeníssima dimensão. Em S. Miguel de Acha existem vinte e nove pastores, mas ao tudo indica estes pastores são na grande maioria assalariados e não donos.
Em 1960 inicia-se a emigração e muita gente parte de “assalto” para França.
E antes, no tempo dos romanos e árabes? Não existem vestígios dentro da povoação de S. Miguel dos romanos. Nos seus limites que pegam com a freguesia do Oledo, conhecido pelo sítio dos Barros e também por Cabeço dos Mouros da mesma freguesia, existem vários vestígios da sua passagem por esta zona. Os trabalhos efectuados 1988 e 1989 detectaram neste lugar uma villa rústica tardia de finais do século III e pensa-se que abandonada no século V, situada na margem esquerda do Ribeiro da Caniça. A villa possuía lagar e os seus proprietários eram abastados (16). Em 15/11/1985 o Ilustre Mons. Con. José Geraldes Freire publica um artigo em que, mais uma vez, chama para a atenção de vários vestígios arqueológicos em S. Miguel de Acha, uns da época neolítica e outros da civilização romana. Conta que, em fins de Outubro de 1985, os trabalhadores que arrancavam um carvalho no sítio do Cabeço dos Mouros encontraram uma construção de perfeita identificação urbana. A curiosidade das pessoas levou-os a mexer nas paredes destruindo-as. Escreve também que apareceram algumas moedas que foram levadas (17). Existem ainda as sepulturas de pedra que muitos pensam ser de origem romana. Opinião contrária tem o estudioso Prof. António Maria Romeiro Carvalho que afirma: “Três são as dúvidas sobre se as «sepulturas» escavadas na rocha terão tido esta função: número reduzido; muito dispersas e afastadas de qualquer povoado; não terem tampa. O processo de cristianização lançou o anátema sobre todas as religiões que englobou no colectivo de pagãs. Uma delas, a religião mitraica, foi a sua principal adversária até ao século IV. Derrotada, passou a perseguida, como todas as restantes. As «sepulturas» escavadas na rocha serão, não sepulturas cristãs, mas taurobólios mitraicos, utilizados antes e depois do século IV, onde os iniciados eram aspergidos com o sangue do touro. «Sepulturas» será a designação por força da falta de outra palavra e pela força do processo de cristianização que, não podendo apagar, apropria-se. Para o provar, percorreram-se dezenas de quilómetros por todo o Concelho de Idanha-a-Nova, fotografaram-se «sepulturas», entrevistaram-se residentes conhecedores destas desde a mocidade (18).” Sobre o assunto tenho algumas dúvidas e, aparentemente, aqui e ali parece-me haver pequenas contradições. É nesta zona que se encontram movimentos de romanização importantes e identificados até finais do sec. V. Afinal, existiam perto destas “sepulturas” habitantes das villas romanas e pelos vestígios já encontrados, as mesmas encontravam-se a pequena distância umas das outras, seriam, provavelmente, constituídas por agregados familiares que habitariam em pequenos casais agrícolas em redor de cada Villa. As sepulturas seriam de origem romana e também cristãs ou de outro período? Temos de ter também em conta que em 313 o imperador Constantino concedeu liberdade aos cristãos de professarem a sua religião no império, o que coincide com inicio da ocupação romana neste local. A afirmação de que os cristãos não podendo apagar os vestígios de outras religiões se apropriam parece-me demasiado forte. É sabido que muitas mesquitas foram transformadas em Igrejas sem apagar registos do facto e que a religião cristã convive em muitos casos com o pagão, veja-se os vários exemplos e manifestações que existem no período do Carnaval. Quanto ao facto de as tampas desaparecerem pode ser explicado de quando da invasão árabe, uma vez que estes vandalizarem muitos dos sinais cristãos.
Sobre os caminhos romanos na nossa zona temos pouca informação. Após algumas pesquisas encontrei: “Castelo Branco a Idanha-a-Velha (IGAEDITANIA). Alguns vestígios romanos apontam para esta provável ligação à civitas Igaeditania. Escalos de Baixo (possível desvio pela Ponte Romana? da Munheca na estrada EN240 para Ladoeiro onde há vestígios de calçada em direcção a Zebreira) Escalos de Cima («In Scallis nos miliários» ?) Lousa, Oledo (seguiria próximo da villa de Barros e Qta. dos Cebolais)(Eventual ligação a S. Miguel da Acha, Idanha-a-Nova pela calçada e Ponte Romana? de Barros sobre a ribeira da Caniça) Proença-a-Velha, Idanha-a-Velha (IGAEDITANIA) ” (19).
Contudo a rede viária mais importante que passava pela Egitânea e seguia para Norte, vinha de Mérida com destino a Braga e todos estes sinais de romanização se integram na circunscrição administrativa da Egitânea.
Quanto ao período árabe que ocupou a Egitânea (Idanha-a-Velha) em 713, a seguir ao período visigótico iniciado em 509, pouco existe a nível de construções. Introduziram os mercados, o cultivo do trigo, da cevada, construção de moinhos de água e azenhas. Também introduziram a nora nos poços e a picota. Legaram-nos o Adufe e uma palavra muito usada por nós: Alvanel, que significa o pedreiro que trabalha em alvenaria.
Quando iniciei este pequeno resumo da história da nossa terra, despretensioso, que procurei enquadrar na zona onde se circunscreve e que necessita de maior aprofundamento científico, há muito ainda por pesquisar em bibliotecas e em livros nas mãos de muitos conterrâneos, houve uma ideia que nunca me saiu da cabeça. Com a perda significativa e continuada de população de Proença-a-Velha e Aldeia de Sta. Margarida e no novo quadro de redução de freguesias, será que estas, um dia, poderão passar a ser integradas na freguesia de S. Miguel de Acha? A teoria que de facto a história nunca se repete, mais uma vez, comprovar-se-ia.
No ano de 2012 S. Miguel de Acha fará 260 anos sobre a data em que foi elevada a vila e a freguesia própria, por D. José I. Espero que a JF e as Associações comemorem esta data. Considero que estes pequenos sinais também são importantes para o orgulho de ser micaelense ou achense, pois foi uma longa batalha até nos tornamos autónomos como freguesia própria.
Manuel Ruivo
Outubro 2011
(1) Consulta livro António Milheiro, S. Miguel
de Acha - Memórias da Cultura Tradicional.
(2) Vestígios da Lingoa Arábica em Portugal,
Academia Real das Sciencias, por Fr. João de Sousa
(3) Publicado B.I. ADEPAC nº. 52, em Outubro
de 2009, Rui Salgueiro
(4) Origens de Proença-a-Velha, internet.
(5) Consulta livro António Milheiro, S. Miguel
de Acha - Memórias da Cultura Tradicional.
(6) (7) Fórum genealogia, António Pereira,
Daniel Andrade Ferreira e Celso Milheiro – Internet.
(8) (9) Fórum genealogia, Francisco Alvares de
Carvalho – Internet.
(10) In Luís Bívar Guerra, A Casa da Graciosa, pp. 200-205
(11) Fórum
genealogia, S. João Rei, Internet.
(12)
Semanário Reconquista em 07/03/1980, José Geraldes Freire
(13) Diário
do Governo, nº. 93, Sabbado, 19 de Abril de 1823, pesquisa Google: Gazeta de
Lisboa.
(14)
Consultar livro António Milheiro, S. Miguel de Acha Memórias da Cultura
Tradicional.
(15)
Cadernos de Cultura, Nº. 9, Novembro de 1995. O livro encontra-se arquivado na
Misericórdia de Idanha-a-Nova.
(16) A
Villa Romana dos Barros Oledo. Primeira Noticia, Rogério Carvalho e Madalena
Costa Cabral.
(17)
Estação Arqueológica de S. Miguel de Acha, Reconquista 15.11.1985
(18) O Culto de Mitra e as Sepulturas
Escavadas NA Rocha, António Maria Romeiro Carvalho
(19) Vias Romanas em Portugal, Itinerários – Internet.