domingo, 10 de maio de 2015

Fontes de S.Migueel D'Acha

As letras garrafais da primeira página dos jornais do dia, quais néons pendurados nos prédios da cidade, despertaram-me a atenção. Ao começar a debulhar, de forma descuidada, as letras mais pequenas, deparei com a expressão: segundo fonte oficial... Lembrei-me das expressões recorrentes, principalmente em notícias sobre política. Fonte bem colocada, segundo fontes geralmente bem informadas, várias fontes…
O significado do dicionário sobre fonte: manancial de água que brota do solo; nascente, indica-nos algo que aparece sem nos darmos conta, que nasce e nos convida a descansar e a refrescar. Um dom da natureza!
E sem me dar conta, ou talvez não, veio-me à memória as fontes da nossa terra. Havia-as em abundância. Todas elas faziam falta. Por muitos caminhos se movia a povoação. Era necessário haver locais que “ matassem” a sede. Dessem um pouco de frescura no verão. Obrigassem a um pequeno descanso, quando o cocho, as mãos ou outro vasilhame recolhia a água da fonte. 
Fontes que recolhiam segredos. Davam nome ao local circundante. Ganhavam nome pelo hábito da população ou até pelo facto de não servirem para aquilo que se destinava, tal como a Fonte Seca. Mas também a novidade que surgia com a Fonte Nova no Cabeço da Azeda. Também não faltou a fonte institucional - Fonte do Concelho. Talvez por lá se discutisse um pouco de política ou seria uma homenagem à sede de concelho? Também já algumas acabaram como a Fonte das Pias. Houve as já nasceram com diminutivo como a Fonte da Fontainha ou na rocha como a da Fraguinha. Também temos a fonte com nome esquisito, talvez proveniente de se lá fazerem necessidades, no sítio dos Barros.
Com melhores acessos como a Fonte da Calçadinha. A das águas minerais – Fonte dos Sinos, que apresenta propriedades terapêuticas, sendo tão pouco explorada essa capacidade. Lembrança do mar – Fonte do Salgado?
Das que não temos acesso por terem sido apropriadas, temos a Fonte da Vinha Grande e a Fonte dos Namorados. Esta última, por certo, guardará muitos segredos. Ali se cruzaram olhares que deram em namoro. Sussurros de namorados marcando encontros. Beijos roubados à pressa. Talvez muitos de nós “nascessem” por ali.
E são estas águas prateadas pelo luar, que na sua quietude guardam as lembranças dos que por lá passaram, que também se erguem como fontes da nossa memória. Que bem o canto alentejano as descreve: “Não m'invejo de quem tem. Parelhas, éguas e montes; Só m'invejo de quem bebe. A água em todas as fontes.”
Deixo um desafio ao António Milheiro para a ADEPAC organizar um passeio, no verão, pelas fontes e que este tenha uma boa adesão, pois a preservação da nossa cultura exige que todos nos movimentemos pelo conhecimento das nossas tradições. Talvez no passado encontremos ou compreendamos o futuro dos nossos filhos, tal como os nossos pais o fizeram. Guardemos as suas memórias e saibamos também homenageá-los.


Manuel Ruivo

Uma Janela Com História






Num dos passeios temáticos promovido pela ADEPAC, “À Procura da História de S. Miguel de Acha”, realizado na Páscoa de 2012 e cuja narrativa pertenceu ao Rui Salgueiro, foi identificada a casa que pertencia ao ti Zé Fragato e donde esta janela faz parte, como a morada do Capelão da Ordem de Cristo de S. Miguel De Acha.
A fotografia da janela vem num blogue dos templários:
http://templariosportugueses.blogspot.pt/2010_09_01_archive.html, que informa: "... casa secular, segundo attesta inscrição em vão de janela, & onde o Capellão da Ordem de Christo [...] foi depositario e guardião dos Tombos da Ordem do Templo, & da continuadora, onde por largo tempo guardou em sigillo nesta mesma casa que habitou...". A referida janela apresenta a data de 1694(?), quarenta e cinco anos antes da Igreja Matriz actual estar concluída.
Já em 6 de Setembro de 1316 temos a informação da confirmação feita a el-rei D. Afonso IV da apresentação da Igreja de S. Miguel de Acha, entre outras do bispado da Guarda (Doc. 4812 XIX, 5-49, Torre do Tombo, vol. 10, pag. 3)
Mas existe nova referência à Capela de S. Miguel de Acha em 1746 que tinha como finalidade a avaliação das rendas eclesiásticas “ No catálogo de todas as igrejas, comendas e mosteiros que havia no reino de Portugal e Algarve no ano de 1320 e 1321, com a lotação de cada uma delas, (ano de 1746 -“Diocese do Distrito da Guarda, pág. 511”, manuscrito n.º 179 da colecção Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa), vê-se quanto às Igrejas de Monsanto,
Segura, S. Salvador, Proença, com a capela de S. Miguel d´Acha, Idanha-a-Nova, com o lugar de Oledo…” A referência à Capela de S. Miguel de Acha em 1746 demonstra que esta ainda pertencia à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Silva de Proença-a-Velha. Mesmo em 1758, doze anos depois, nos relatórios paroquiais, Frei José Ferreira Esteves descreve como Vigário e não como Pároco da Igreja Matriz S. Miguel de Acha o que implica que em termos de Igreja continuamos ainda dependentes da Igreja de Nossa Senhora da Silva de Proença, apesar de S. Miguel já ser Vila sobre si. Ainda em 1842 a Igreja de S. Miguel continua ser referida, pelo Pároco de Proença, como filial da Igreja de Nossa Senhora da Silva, como podemos verificar no documento de pedido de constituição de novo Concelho das freguesias de S. Miguel, Proença e Aldeia. Não sabemos ao certo quando esta situação se alterou.
Agora assistimos a uma fórmula diferente, as três Igrejas não se encontram dependentes umas das outras, mas têm Pároco comum que reside em S. Miguel de Acha.

Manuel Ruivo






quarta-feira, 25 de abril de 2012

Castelo de S.Miguel de Acha


Castelo de S. Miguel de Acha


O Castelo de S. Miguel de Acha, que fr. José Esteves Ferreira ao fazer o relatório paroquial em 1758 sobre S. Miguel de Acha o classifica como de muita pouca fortaleza, é construído em 1663, pelo então Governador capitão Gonçalo Vaz, cuja pedra com a inscrição se encontra sobre a porta de entrada para a antiga forja de João Santos Magro e hoje pertença dos seus herdeiros. Segundo o Eng.º Manuel da Silva Castelo Branco (1), Gonçalo Vaz nasceu na Lousa, onde foi baptizado a 05-06-1615, casou em S. Miguel de Acha em 28-08-1641 com Susana Fernandes Preto, filha de Gaspar Domingues, um dos maiores lavradores da região, e de Susana Fernandes de Proença-a-Velha, vindo a falecer em 1675 e segundo rezam as crónicas foi sepultado na “hermida do nome de Deus”. No assento de óbito, “o vigário fr. António Martins, declara por ser anexa a Igreja Parrochial se lhe deo sepultura nella fazendosse por de não prejudicar ao Direito parrochial em todo o tempo de mundo” (2). Ao que julgamos trata-se da Capela do Menino de Deus, pois é a única que fica perto da Igreja e que mais tornar-se-á num forno, sendo demolido em 1967 para construção de casa de habitação.
É também este Governador que manda edificar a Capela de Nossa Senhora do Miradouro.
Gonçalo Vaz passa a ser um lavrador abastado com várias terras, fazendo parte da nobreza rural. Em 17-06-1738 uma provisão de D. João V, autoriza o dr. José Vaz de Carvalho a subrogar certas propriedades pertencentes à Capela de Nossa Senhora do Miradouro, sita em S. Miguel de Acha, instituída por seu avô o capitão Gonçalo Vaz, onde se descrevem as casas e lugares onde ele e a família viveram, com as confrontações das propriedades e outros pormenores (3): “Por D. João, por graça de Deus, rei de Portugal…Faço saber que o dr. José Vaz de Carvalho, do meu Conselho e Desembargador do paço, me representou por sua petição, que ele era administrador de uma capela a que chamavam de Nossa Senhora do Miradouro, com capela própria, de que era padroeiro, instituída por seu avô Gonçalo Vaz, governador que foi no lugar de S. Miguel de Acha, comarca de Castelo Branco, aonde se achava sita a dita capela. E entre os mais bens que lhe pertenciam, eram umas casas em que o instruidor, na Rua por cima da Praça, assim as de baixo como outras de cima com o seu quintal, poço e pátio e uma casa mais dentro e mais outras casas pegadas, acima, partindo com Rua do conselho e com outra casa que servia de adega, dentro da mesma; mais outra casa com seu pátio pegado com umas casas de Pombal; mais uma casa de forno com casa de forneiro; mais outras casas que ficam ambas pegadas com seus alpendroados (sic) o terceiro defronte e, assim, mais outro quintal de pomar, partindo com as casas cima, tudo místico, no lugar de S. Miguel de Acha, cujas propriedades estavam com crescido dano e arruinadas, razão porque queria o suplicante em lugar das ditas propriedades, que apenas valeriam quatrocentos mil réis; subrogar uma propriedade de um lagar de azeite com uma azenha e um moinho, com sua terra de fora com suas oliveiras, tudo místico, no limite do mesmo lugar, no sitio onde chamam o Ribeiro da Lapa partindo com o mesmo ribeiro e com a terra da Confraria das Almas do mesmo lugar, a qual propriedade vale muito bem seiscentos mil réis, no que ficava com aumento a dita capela, à qual também queria o suplicante vincular uma terra no limite de Proença, na folha do Carvalhal, que parte com D. Brites e António Bandeira do mesmo lugar, que bem valia cinquenta mil réis, E, porque para fazer a dita subrogação necessitava de provisão minha, me pedia que lhe fizesse mercê conceder-lha para poder fazer a troca e subrogação referida.
E, visto seu requerimento em que foi ouvido o imediato sucessor, filho do suplicante, que não teve dúvida, e constar para informação do provedor da comarca de Castelo Branco que as casas acima confrontadas e mais pertenças valerão quatrocentos mil réis e o lagar, azenha e moinho com a sua terra e oliveiras e a outra terra no limite de Proença valem mais de seiscentos mil réis, de que resultava maior utilidade para a capela, hei por bem que o suplicante possa fazer a troca e subrogação referidas, ficando as fazendas referidas que o suplicante oferece unidas e vinculadas à dita capela e livres dela as casas acima declaradas e confrontadas, sitas no lugar de S. Miguel de Acha, sem embargo de serem de capela e das cláusulas da instituição dela, cumprindo-se esta provisão como nela se contém… Em Lisboa Ocidental, 17-06-1738”. Este documento também evidencia as boas relações desta família com o Paço Real, não sendo alheio o facto de vários familiares dos Vaz desempenharem funções importantes no mesmo e na magistratura. Aliás, o filho do capitão, Gonçalo Vaz Preto, nascido em S. Miguel de Acha a 23-11-1643, frequentou a Universidade de Coimbra onde tirou o bacharelato de direito, exercendo a magistratura em várias comarcas, foi ainda desembargador da Relação do Porto, cargo de que se aposentou, ficando a residir no Fundão, onde faleceu. O seu filho, neto de Gonçalo Vaz, dr. José Vaz de Carvalho, que apresentou a petição acima transcrita, também exerceu cargos importantes. Foi através da sua influência que o Fundão foi elevado a Vila (10-05-1747), obtendo o senhorio de S. Miguel de Acha na condição de também o fazer Vila, para o seu filho mais velho (07-10-1751, (na maioria dos documentos a aprece o ano de 1752 como o de elevação a Vila) (4).
Mas para que serviu o Castelo? Segundo José Joaquim Mendes Hormigo (5), esta fortaleza terá desempenhado um papel importante durante o período das guerras de Libertação Nacional (Guerras da Independência 1640-1668) e já no decurso do século XVIII terá sido, além de residência do senhorio de S. Miguel de Acha, quartel de uma companhia de ordenanças. Mais tarde (1800), teria aqui permanecido o Batalhão de Caçadores da Vila de S. Miguel de Acha. O mesmo autor conta que em 1645 dois chefes militares espanhóis, capitão Quintavel e o tenente Gamba, de comum acordo, juntamente com povos vizinhos, organizaram uma campanha de “montados” e invadiram a Serra de Proença e S. Miguel de Acha, assaltando os povos desta região tendo obtido êxito nas suas correrias. Mas os Portugueses não se limitavam a uma atitude de mera defesa; pelo contrário, preparavam-lhes emboscadas e perseguiam-nos até território espanhol, onde lhes pagavam com a mesma moeda.
Continua o mesmo autor. Por esta altura, o Governador militar de S. Miguel de Acha, Gonçalo Vaz, seria o terror nesta zona da soldadesca castelhana e uma vez que estes não puderam caçá-lo, para se desforrar das emboscadas por ele montadas, foi vingar-se no seu pobre e indefeso pastor que assassinaram sem dó nem piedade. Uma outra vez os espanhóis produziram tão grande mortandade de gado aos habitantes de S. Miguel de Acha, que segundo notícias da época a teriam mesmo dizimado toda. Perante esta onda de violência provocando mortes, destruição de fazendas e roubos, a população decidiu construir trincheiras à sua custa, sem o auxílio da Coroa. Mas os melhoramentos de defesa foram insuficientes para conter os ataques e assim, em 1663, Gonçalo Vaz, capitão, terá optado pela construção da fortaleza a que chamamos Castelo. Contudo, face à insuficiência desta fortaleza para conter os ataques, os oficiais da Câmara de S. Miguel de Acha solicitaram de Sua Majestade (1664) a concessão de 80.000 réis do rendimento das despesas do povo, para com essa importância construírem outro reduto em volta da Igreja, com torres altas para defesa e portas fortes para isolamento. Segundo publicação de artigo no Semanário Reconquista, em 20-06-1980, Mons. Con. José Geraldes Freire esclarece que o referido pedido não teve deferimento.
Sob parecer desfavorável da Junta dos Três Estados, a qual em 15 de Março de 1664 disse que as despesas deste género não devem ser pagas pelos fundos das sisas e décimas, mas tirada dos fundos das fortificações, seguiu o referido pedido para sua alteza Real, que em 26-3-1664 remete o requerimento para o Conselho de Guerra, afim de este emitir parecer. Não existe documentação sobre despacho desta petição, onde concluímos que ou não houve parecer ou foi dado parecer desfavorável. O que constatamos é que à volta da Igreja não existem vestígios de nenhuma fortificação, embora o Largo do Reduto e Rua do Reduto se apliquem a locais “vizinhos” do Castelo.
Eis o texto original que se acha no A.N.T.T.” Sinopse dos Decretos remetidos ao extinto Conselho de Guerra” ano de 1664, Março 23-Nº. 2 (6): “Senhor Por decreto do primeiro deste mês de Março mandou V.M. se visse e consultasse nesta Junta uma petição dos oficias da Câmara e mais gente do Povo do lugar de S. Miguel de Acha, termo da Vila de Proença-a-Velha, em que dizem que o dito lugar dista da arraia de Castela cinco léguas, pela qual razão é fácil ao inimigo vir invadir o dito lugar como vem muitas vezes roubá-los, de sorte que têm posto a eles suplicantes em tão miserável estado que, sendo o dito lugar algum dia rico e abastado das melhores fazendas que tem toda a Comarca de Castelo Branco assistindo nele mais de duzentos vizinhos, estão todos em risco de o despovoarem assim pelo inimigo lhes não deixar cultivar as ditas fazendas como em fazer matança neles por ódio que lhes têm feito assim em lhes tirar as presas por muitas vezes como matando-lhes muita gente em lhas fazer largar. E por assim ser lhes têm feito muitas emboscadas com cavalaria para o efeito de os degolar, como neste ano mataram doze homens, os melhores do dito povo. E no tempo que eles suplicantes estavam na propriedade que tinham guarneceram o dito lugar com as trincheiras que tem hoje também fizeram se os não impossibilitaria os muitos roubos que o inimigo lhe faz de contínuo e pagarem a V.M. todos os anos duzentos e cinquenta mil réis de sisa e poderem-no fazer sem que nele se faça um reduto a redor da igreja onde recolham suas fazendas e salvem as vidas quando o poder do inimigo seja tanto que as trincheiras e baluartes se não possam defender. Pedem a V. M., atendendo a suas justas razões, seja servido conceder-lhes oitenta mil réis do rendimento das décimas do dito lugar, abatendo-lhos por um ano em seu cômputo, que é o que lhes levam os pedreiros somente de suas mãos, que tudo o mais necessário de pedra e barro e mais achegas querem eles suplicantes dar á sua custa, o que esperam este e outros maiores favores da católica e real pessoa de V.M., pois tanto á custa de suas vidas e fazendas defendem lealmente o dito lugar”.
Como vimos o Castelo encerra muito da história de S. Miguel de Acha a que alguns de nós tem passado despercebida. Uma fortaleza construída para defesa e habitação do senhorio de S. Miguel de Acha, mais tarde acolheu o Batalhão De Caçadores e com a venda dos bens da Ordem de Cristo (1834) o Castelo foi comprado pela família Saldanha, Marqueses de Rio Maior. Em 1927 foi vendido por Maria Isabel Saldanha de Oliveira e Sousa, filha do 7º. Conde de Rio Maior, a João dos Santos Magro.
Hoje, restam as casas no seu interior em mau estado e uma pequena muralha quase em ruinas. Do lado sul foi construído um lagar, encostado ao Castelo e que mais tarde passou a servir de palheiro.
Mas o Castelo também tem uma lenda mourisca. Em S. Miguel de Acha, há sempre uma lenda dos mouros por trás de cada história, sitio ou lugar. O Castelo não podia fugir à regra. Conta-se que o Castelo primitivo foi fundado por um mouro, pai da princesa Ache, mas sobre as ruinas desse Castelo nada existe, a não ser mesmo a lenda.  

Manuel Ruivo
Janeiro 2012


Nota: Agradecemos ao Rui Salgueiro a documentação que nos facultou sobre este tema.

1– Artigo Semanário Reconquista em 03-04-1980
2- Artigo Semanário Reconquista em 20-06-1980, José Geraldes Freire
3- A.N.T.T. Chanc. D. João V, liv. 196, fl. 205
4- Artigo Semanário Reconquista em 03-04-1980, Eng.º. Manuel Silva Castelo Branco
5- Artigo Semanário Reconquista em 24-04-1980, Eng.º. José Joaquim Mendes Hormigo
6- Artigo Semanário Reconquista em 11-04-1980, Eng.º. Manuel Silva Castelo Branco

sábado, 3 de dezembro de 2011

POEMA DE UMA GRANDE IDANHENSE, QUINA SALGUEIRO


 «Poemas de mim para ti ,Idanha -a- Nova » 11
       Dia« de temporal ou antes  ---- Dia de «Tromenta »
            
                ( Escrito em «falares idanhenses» que a pouco
                    e pouco vão ficando esquecidos . Estou a tentar
                    que tal não suceda ...)

                 «Dês» me guarde ,
                 «Dês» me guie ,
                 «Dês » me livre
                  Desta «tromenta mâdonha »,
                 Que parece vir aí!,
                 A «limparia »acende
                 Frente à Sagrada «Familha »!
                 «Nã» me poupes no « azête»
                 « Pous» Ela nos « alumina»...
                 Ai «Jasus»,
                 Que «travão»
                 E «relampos tameim » fazem!
                « Senhôra » do Almotão
                «Acude» aqui  nesta  casa !
                 Pai, Filho ,«Sprito» Santo
                 E Santa « Barbra bindita »
                 Livra-nos desta «tromenta»,
                 Tu que no céu estás escrita ...
                 Já te disse que queria
                 Sempre a «limparina »acesa,
                 Quando a Sagrada cá está ,
                 «Nã» me poupes na despesa !
                  Ai «Jasus », ai Maria  ,
                  Que carga «d'auga»que cai ,
                  E escuta a «vintania » ! ,
                  Se se destelh 'ó telhado,
                 Temos d'ir p'ra outro lado...
               --Esteja aí sossegadinha ,
                «Nã se punha com tramores »,
                «Nã»s'esqueça que «Jasus»
                 É o nosso protector .
                «Nã»esteja a afligir-se ,
                 Nossa «Senhoura  nã » ia
                « Deixer» a casa cair ,
                 Levada p'la «vintania »
              --Mas que grande «confuseum»
                Q'aqui vai ,estás a «veri »
                Que « nã para de choveri »?!
                Ai que vem a casa abaixo ,
                «Oviste m' este travão »,
                Senhora do Almurteum ,
                Ó Santa« Barba  bindita »
                Levai p'ra longe a «tromenta »,
                Onde «nã » haja ninguém ,
                Nem pessoa ó animal ,
                Nem ramo «d'arve tameim »
            -- Já lhe pedi por favor,
                E por amor da «Senhoura»
                Pela Virgem do Almortão ,
                Fique aí quietinh 'ó lume,
                Reze a sua oraceum,
               « Assussegue » o coração ,
               E verá , d'aqui a pouco ,
               A «tromenta » já passou
               E o sol «inté »  voltou !
              -- «Dês» te ouça ,
              Bem lhe peço!,
              Ele «nã» me vai «faltari »
             Vou «rezari atão  mê » terço,
             O «má » tempo vai «passari ».
             E «tameim» Lhe agradeço
             P'los «mal' agardecidos »,
           « Pous mesm' esses , ê beim »sei,
             Nunca Ele «dêxa» esquecidos ,
       -- «Ameim ,pous , senhoura mãim !»
                                       Quina Salgueiro ,
                                              num dia de tempestade
                                               escrito ,saudosamente, em Lisboa ,
                                               8/10/2010

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Caminhadas com estórias



Num cumprimento de chegada, igual a tantos outros, deparou-se a ocasião de falar sobre coisas que havia em S. Miguel, que nem todos conheciam e bonitas de se ver. Isto, claro, dependente sempre do gosto e do interesse de cada personagem. E escrevo personagem porque considero a nossa terra, vista por mim, uma terra de “personagens”. Há sempre os que querem ver, os que gozam com os que vêm e os que não querem ver. Estes últimos situam-se num patamar de superioridade intelectual, pois conseguem discernir o que é importante, menos importante e sem interesse, sem necessidade de verem, claro está, a coisa. Mas também de “personagens” que já partiram e que deixaram lembranças pela sua forma peculiar de vida.
O meu interlocutor disponibilizou-se para me mostrar alguns desses lugares, convencido estava de que eu era daquelas personagens que me interessava pela coisa, desconhecendo o meu fraco conhecimento sobre a mesma e a noção distorcida dessa realidade que são as memórias do habitat de um povo: lugares, caminhos, lendas, achados arqueológicos (?) e, no geral, suposições a que sou pouco dado, não por falta de quem as tenha mas porque me falta a imaginação e sem esta, principalmente na nossa terra, estamos perdidos e nada temos para falar.
Aceitei o desafio em jeito de convite. Desenhamos o programa que no decurso seria alterado. Ficamos marcados para a próxima terça-feira.
Terça-feira, no alvor da manhã e com o cheiro fresco da terra a entrar pelas narinas, subimos pela Barreira do Constante em direcção à Tapada da Moura. Contornamos o chão do Violinha e numa ligeira descida à esquerda encontramos a tal pedra que encerrava motivo de interesse. Uma rocha esburacada, espécie única, com várias poças pequenas no interior e de lado, apresentava-se à nossa frente. O meu guia inclinava-se a que servisse de cantareira, serventia dos donos de alguma casa ou choça. A erosão era um sinal permanente na configuração das múltiplas formas inseridas todas bem desenhadas e de tamanho idêntico. A dúvida instala-se. Se aproveitamento do homem com pequenas alterações após a erosão ou fruto só da erosão? A minha falta de capacidade para análise do assunto em causa, que acima espelhei, vem ao de cima. O meu guia vê em todos os contornos mão de homem e convencido tenta convencer-me. De uma coisa tenho a certeza, a dita rocha nas suas formas estranhas e únicas merece estar no centro da povoação, aproveitando a sua originalidade como um ponto de interesse em terra de pedreiros.
Após as fotografias da praxe nova proposta: direitos ao caminho da serra para a Tapada do Japone. O Japone é uma daquelas “personagens” esotéricas que cultiva uma vida de difícil compreensão para o comum dos mortais. Pouco se sabe dele. Há quem diga que regressou a S. Miguel após alguns anos no sul do país. Tinha um irmão que chegou a Presidente da Junta de Freguesia e que dava pelo nome de José Joaquim. Também tinha alguns bens, além da Tapada na Serra tinha a Horta do Rossio e uma propriedade na Fonte de Sinos. Mas é aqui em plena serra que se avista uma das melhores paisagens de S. Miguel. Bem no cimo das fragas que encimavam a serra encontrava-se uma espécie de guarita, toda em pedra, com pequena ranhura horizontal e onde só cabe um homem. Em baixo a antiga e pequena casa de pedra do Japone, sem telha, circundada também por um muro de pedra com o mato encostado à sua volta, da sepultura em pedra mandada fazer ao Ti Joaquim Pires nada vimos. Ambas as construções tinham a data de 1951 na pedra por cima da porta. Achei que sessenta anos ainda eram muito pouco tempo para tanta falta de memória. Recolhemos tanta informação, reconstruímos à volta da conversa de café memórias sem fim que afinal de nada servem. A verdade misturada na lenda terá sido e ainda será, hoje por motivos diferentes, o nosso único olhar do que fomos com receio de distorções do que somos?
Em frente dos nossos olhos, num vale imenso, desenhava-se o Oledo. Ao fundo a Calçadinha com a sua planície ainda pintalgada de verde, mais à frente o Ribeiro da Caniça, atrás a Mina da Seicheira, ao lado o Forno da Arcada e ainda mais atrás a Fonte de S. Pedro. A luz nascente envolvia-nos. Descansamos um pouco nesta quietude feita de silêncio. Mas quem anda no campo tem tempos diferentes de quem está de férias e nova proposta. Ainda era bastante cedo, havia ainda tempo para visita à Tapada da Sepultura, nos Barros, a caminho da Vigia e na direcção da Tapada do Ribeiro.
Cavada na rocha e em muito bom estado encontrava-se o que se pensa ser uma sepultura de origem romana. Outra opinião tem, a este respeito, o estudioso Prof. António Maria Romeiro Carvalho, que nos diz:
”Três são as dúvidas sobre se as «sepulturas» escavadas na rocha terão tido esta função: número reduzido; muito dispersas e afastadas de qualquer povoado; não terem tampa. O processo de cristianização lançou o anátema sobre todas as religiões que englobou no colectivo de pagãs. Uma delas, a religião mitraica, foi a sua principal adversária até ao século IV. Derrotada, passou a perseguida, como todas as restantes.
As «sepulturas» escavadas na rocha serão, não sepulturas cristãs, mas taurobólios mitraicos,
utilizados antes e depois do século IV, onde os iniciados eram aspergidos com o sangue do
touro. «Sepulturas» será a designação por força da falta de outra palavra e pela força do processo de cristianização que, não podendo apagar, apropria-se.
Para o provar, percorreram-se dezenas de quilómetros por todo o Concelho de Idanha-a-Nova, fotografaram-se «sepulturas», entrevistaram-se residentes conhecedores destas desde a mocidade.”
Deixo-vos com esta reflexão e com as respectivas fotografias.
Agradeço ao meu guia, Zé Manel Torrinho, pelo seu bom conhecimento dos terrenos e também pela sua generosidade e paciência.

Manuel Ruivo
Setembro2011

















S. Miguel d'Acha - História, Caminhos e Lugares


S. Miguel d’Acha

História, lugares e caminhos



Foi em Porença-a-Velha que encontrei as origens de S. Miguel de Acha a cuja freguesia pertenceu até 1752, bem como a Aldeia de Sta. Margarida, esta até à reforma administrativa de 1835.
Em 1218 Proença-a-Velha recebe foral de D. Pedro Alvites, mestre da Ordem dos Templários, em carta concedida com o beneplácito de D. Afonso II, até esta data tinha pertencido a Idanha-a-Velha, antiga Egitânea. Também em 1201 D. Sancho I atribui foral a Idanha-a-Nova. Antes, em 1165, D. Afonso Henriques tinha feito uma vasta e fortíssima doação aos Templários, D. Gualdim Pais, da região da Idanha-a-Velha e de Monsanto com os limites: “seguindo o curso da água do rio Erges e entre o seu reino e o de “Legiones” até entrar no rio Tejo e da outra parte seguindo o curso da água do rio Zêzere que igualmente entra no Tejo”. Em 1187 é erguido em Idanha-a-Nova um castelo pela Ordem dos Templários. D. Sancho I, em 1189, concede a Penamacor foral e entrega-a também à Ordem dos Templários.
Os primeiros reis de Portugal, após a conquista de muitos territórios aos mouros, seguem uma política de defesa e repovoamento dos mesmos, entregando as terras à Ordem Religiosa dos Templários.
S. Miguel de Acha, ao tempo, é, pois, um pequeno lugar, onde provavelmente viviam unicamente pastores de forma dispersa, sendo curioso que um historiador ilustre, de seu nome Pinho Leal, considere que a palavra Acha deriva da palavra árabe axxat, que significa ovelha, vindo o lugar a ser conhecida por povoação da ovelha (1). No dicionário Vestígios da Lingoa Arábica em Portugal encontrei uma designação para a palavra Ayxa “ (âixa – nome próprio de mulher). A vivente: assim foi chamada a mulher de Mafoma (profeta), e a mais querida entre as mais que teve. Deriva-se do verbo âxa viver. Também he nome de Aldêa na Provincia d’entre o Douro e Minho, Arcebispado de Braga, que vem a ser Aldêa de Ayxa, Senhora, ou fundadora dela. Chorographia Portugueza (2).” Virá daqui a origem da lenda misturada coma realidade? Ainda à volta deste tema encontrei no Boletin de la Junta Central de Colonizacion y Replublación Interior, da Catalunha, Espanha, uma tradução de axxat: senhor ou proprietário do local. Assim, parece que com a reconquista cristã e consequente expulsão dos árabes foi acrescentado o nome do Arcanjo guerreiro, S. Miguel. Mas até a espada que tem na mão é parecida com a Cimitarra mourisca.
Em 1314 a Ordem dos Templários é substituída pela Ordem de Cristo por D. Dinis, que transfere todos os seus bens para esta. A partir daqui começamos sempre a ouvir falar da Ordem de Cristo em toda a região. Neste reinado a 6 Setembro de 1316 (Doc. 4812 XIX, 5-49, Torre do Tombo, vol. 10, pag. 3), existe uma referência a S. Miguel (3): “confirmação feita a el-rei da sua apresentação das igrejas de Sta. Maria de Idanha-a-Nova e Velha e de S.Miguel d’Acha, bispado da Guarda.”
Até 1505 S. Miguel de Acha vai-se desenvolvendo à volta de uma ermida que provavelmente hoje é a sacristia da Igreja. É possível que assim seja, uma vez que a sua construção é independente da Igreja e até a porta de acesso interior é a evidência de que antes seria uma porta principal. A povoação vai-se erguendo à volta desta ermida, sendo a construção das casas, no perímetro do que hoje é a Igreja, das mais antigas de S. Miguel, a tipologia das mesmas era idêntica, de pequena dimensão e as ruas estreitas, denotando uma pequena população sem grandes meios.
Em 1505, no Tombo da Comenda, é definido o limite e termo de Proença-a-Velha, que inclui as freguesias de S. Miguel de Acha e Aldeia de Sta. Margarida. “Começa o dito termo e limite da dita Villa de Proença na foz do Ribeiro da Caniça, onde se mete na Ribeira de Alpreade e leva a dita ribeira acima até onde se mete a dita ribeira na Ribeira de Taveirol, e de si por Taveirol acima até à Ribeira de Ceife.” Mais á frente continua: “...partindo com a Idanha-a-Nova até à Fonte da Calada daí passa o Ribeiro da Canada e vai pelo lombo acima até à pedra da cruz e daí vai direito à estrada que vai de Proença para a Idanha-a-Nova. E daí vai direito ao Cabeço da Urra e daí se vai ao lombo a fundo direito à Ribeira da Caniça e vai pela dita ribeira abaixo até meter em Alpreade onde começou (4).”
Em 1505 e posteriormente em 1537 a Igreja já é visitada por clérigos responsáveis das freguesias de Proença e S. Miguel de Acha, que dão nota da necessidade de se efectuarem obras na mesma, o que confirma a importância deste lugar (5).
Em 1510 Proença recebe novo foral por D. Manuel I, que também o outorga a Penamacor.
Entretanto o crescimento de S. Miguel faz-se a bom ritmo ao que também que não dever ser alheia a exploração mineira. Em 20.02.1640 é referida a ligação de Catarina Bentes a Bento Fernandes, julgando-se que os Bentes de S. Miguel de Acha são todos descendentes desta família (6). No ano de 1648 casam-se Amaro Gonçalves e Maria Fernandes e, segundo se pensa, dão origem à família Amaro em S. Miguel e em 1680 aparece um registo de João Fernandes Milheiro, nascido em S. Miguel de Acha e que fixa residência no Oledo (7). No ano de 1663 é construído o Castelo que o Pe. José Ferreira Esteves, pároco de S. Miguel, em 1758 classificou como de muito pouca fortaleza.
Em 1708 encontramos nova referência a S. Miguel de Acha na Corografia Portuguesa do Pe. António Carvalho da Costa: “S. Miguel d’Acha, Vigararia da Ordem de Cristo, que apresenta Mesa de Consciência, tem 220 vizinhos, quatro Ermidas e um Juiz ordinário no cível”. Aqui estranha-se ao facto de não referenciar a Igreja, cuja Torre Sineira foi construída em 1701. A Torre da Igreja de S. Miguel é uma das maiores da zona, o que indica alguma importância já do lugar. Quanto às ermidas seriam provavelmente as de Capela do Menino de Deus, Apóstolo S. Pedro, S. António e de Sta. Catarina, que na altura se encontrava noutro local e era-lhe prestada muita devoção já em Alpedrinha no sec. XVI. Finalmente, em 1752, D. José I (1750-1777) faz Vila S. Miguel de Acha, antes, em 1747, D. João V faz concelho a Vila do Fundão. No ano de 1759 a Igreja matriz de S. Miguel de Acha é concluída e é claramente uma das mais bonitas das freguesias vizinhas. O retábulo do altar-mor foi construído em talha dourada e telas pintadas com motivos de invocação a Nossa Senhora, à direita a imagem de Nossa Senhora do Rosário, muito antiga e de muito valor e à esquerda S. Miguel Arcanjo, protector de S. Miguel de Acha. Ainda existem mais quatro altares laterais com imagens de rara beleza, mas alguma coisa se perdeu como iremos constatar a seguir.
Em 25 de Junho de 1758, Frei José Ferreira Esteves, Vigário de S. Miguel de Acha, da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, apresentado pela Mesa da Consciência e colado pelo Ordinário do Bispado, em resposta ao inquérito mandado efectuar a todas as paróquias pelo Pe. Luis Cardoso da Congregação do Oratório de Lisboa, com a autorização do Marquês de Pombal, após perda no terramoto de 1755 do espólio das memórias dos párocos, refere que S. Miguel é vila sobre si, freguesia própria e fica no Bispado da Guarda, Comarca de Castelo Branco. A Igreja matriz está dentro da vila. É Orago o Arcanjo S. Miguel, tem quatro altares: o Altar-mor onde está erecta a Irmandade das Almas, o altar de Nossa Senhora do Rosário o do Divino Espírito Santo e o de Sto. António. Após a indicação do que lhe é atribuído pela população para seu sustento, refere as ermidas de S. Miguel: a ermida da invocação da Senhora do Remédio dentro da mesma vila, Sta. Catarina, S. Sebastião, Capela do Menino de Deus e Apóstolo S. Pedro estão fora da vila. A Sra. do Miradouro também está dentro da vila e o seu padroeiro é o desembargador abaixo indicado. Refere ainda que costumam vir em romagem muitas pessoas no dia S. Bartolomeu em louvor do mesmo Santo, que se encontra colocado dentro da ermida da Senhora do Remédio, como também à Sra. do Miradouro em vários dias do ano. Tem cento e oitenta e nove vizinhos, quinhentas e três pessoas de confissão e comunhão, e de confissão cento e treze pessoas. Refere ainda a Fonte de Sinos, cujas águas tinham a virtude de curar obstruções. Indica o que se produz em S. Miguel: trigo, centeio, azeite e vinho, feijão e milho em menos quantidade. Informa que as muralhas são de muito pouca fortaleza, embora o seu reduto e casas esteja bem reparado. Não tem correios. Fala das minas onde trabalham muitos operários e onde se extrai das pedras da mesma ouro, prata, cobre, estanho e chumbo, que são conduzidas para a capital de Lisboa que dista 42 léguas (em 1859 o geólogo Carlos Ribeiro publica o 1º. Estudo das minas de chumbo de S. Miguel e de Segura). Indica o Ribeiro do Lugar que se inicia no chafariz da Mogueira, de um lagar de azeite que anda com a água deste ribeiro e um outro a um quarto de légua deste. Menciona o Ribeiro do Freixial ou da Lapa e que neste se mete um que chamam o dos Cesmos e outro dos Álamos e na junção destes está um moinho de moer pão que tem dois casais, mais á frente deste fala de outros moinhos e de um outro lagar. Apresenta como Donatário da Vila o Desembargador Gonçalo José da Silveira Preto da vila do Fundão (pai de José Vaz de Carvalho, sendo que dois filhos deste, Gonçalo José Vaz de Carvalho e José Vaz de Carvalho da Silveira Preto, são respectivamente 1º Visconde de Monção, Senhor de S. Miguel de Acha e outro Fidalgo da Casa Real Cavaleiro da Ordem de Cristo e Morgado de S. Miguel de Acha). Destaca ainda personagens ilustres, uma delas, Gonçalo Vaz Preto, Juiz Conservador da Universidade de Coimbra, sobre esta personagem ilustre refere-se em documento genealógico: ”…casamento de Gonçalo Vaz Preto nascido em 1643,em S. Miguel de Acha, casado com Inês Falcão de Carvalho do Fundão, pouco mais se sabe… (8). Um outro refere ainda: ”…surgem do casamento de Gonçalo Vaz Preto de S. Miguel de Acha e de Inês Falcão de Carvalho do Fundão…porque deste casamento apenas surge o desembargador José Vaz de Carvalho…” (9). Mas existe outra referência importante sobre esta família: “…Gonçalo Vaz, que fez construir o castelo de S. Miguel de Acha (1663), e aí casou com D. Susana Fernandes Preto. Este Gonçalo foi avô de José Vaz de Carvalho (n. 1673), desembargador do Paço no reinado de D. João V, por influência do qual o Fundão foi elevado à categoria de vila em 1746” (10). A referência a novos familiares vem a seguir:” José Vaz de Carvalho da Silveira Preto, Fidalgo da Casa Real, Cavaleiro da Ordem de Cristo, filho de Gonçalo José da Silveira Preto de Carvalho, Juiz da Coroa, Conselheiro da Fazenda e Ultramar, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, Alcaide-mór de Monção e snr. do Morgado de S. Miguel da Acha e de sua mulher D. Filipa Catarina de Aguilar da Gama Sotomaior. O filho primogénito foi Gonçalo José Vaz de Carvalho, 1.° Visconde de Monção (D. de 22 de Dezembro de 1849), Alcaide-mór da vila de Monção, Sr. de S. Miguel de Acha, Deputado da Nação (1853), Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, Bacharel formado em Leis, nasceu a 17 de Setembro de 1779 e faleceu em 11 de Novembro de 1869, tendo casado duas vezes… ” (11).
As campanhas militares da Restauração após 1640 e a guerra da Sucessão em Espanha, para a qual Portugal é arrastado a partir de 1704, fazem com que se desloquem tropas para a Beira, além de outros lados. Muitos oficiais acabaram por se fixar nesta região, onde por laços de casamento se vão ligar a importantes famílias locais cuja riqueza se baseava na posse de terra. Este é o facto que explica que muitos destes ilustres senhores estivessem ligados a famílias de outras regiões.
Em Março de 1823 nova referência à Vila de S. Miguel de Acha no Diário do Governo ao tempo de D. João VI, reforçando adesão à sua causa e criticando acções do “infame” Conde de Amarante e dos Portugueses que se lhe juntaram “perfidios e perjuros” na Província de Trás-os Montes: “ Senhor, - A Câmara Constitucional da Villa de S. Miguel de Acha, Comarca de Castelo Branco, em seu nome e de todos os habitantes da Villa, não podia imaginar que viesse uma época, em que fosse necessário renovar os votos, de inviolável adhesão ao Systema Constitucional, que felizmente nos rege...Deus guarde a V. Majestade, em Câmara de 23 de Março de 1823 – João Fernandes Magro de Carvalho, Presidente; João Gonçalves, Vereador; João Robalo, Vereador; Manoel José Pires, Procurador; Domingos Nunes da Silveira, Escrivão da Câmara (12).”
Com a Reforma Administrativa do liberalismo iniciada em 1832, vários concelhos são extintos, tal como o caso de Proença-a-Velha. Em 1834 no governo de D. Pedro IV, o seu ministro Joaquim António de Aguiar (ficou conhecido por Mata Frades) decretou a extinção das Ordens Religiosas, sendo os seus bens incorporados na Fazenda Nacional. Os bens das Ordens serão vendidos até finais de 1900. Em 1869, como refere Luis Espinha Silveira, até terrenos baldios não fogem a este furor legislativo de apropriação e posterior venda.
A este respeito o Boletim Informativo ADEPAC publica em Julho 2010 um artigo sobre uma freira Dominicana de seu nome Teresa Saldanha cuja ordem tinha bens em S. Miguel. Não constam registos desta Ordem em S. Miguel fundada em 1866. Ao que apuramos, segundo um artigo do Mons. Con. José Geraldes Freire no semanário Reconquista (13), esta era filha do 3º. Conde de Rio Maior, João de Saldanha Oliveira Juzarte Figueira e Sousa e de Isabel Maria Sousa Botelho a cuja família foram vendidos os bens da Ordem de Cristo em S. Miguel de Acha, após a sua extinção em 1834, sendo natural que tenha herdado bens em S. Miguel.
Em resumo, a maior informação que temos de S. Miguel de Acha é entre o ano de 1700 a inícios do ano 1900. Em 1801 tinha 701 habitantes. Algumas capelas indicadas pelo Frei José F. Esteves foram destruídas. Não existia a capela de S. Bartolomeu e este encontrava-se na capela da Sra. do Remédio, também se perdeu a devoção a este Santo. O altar da Sra. do Rosário é trocado pelo de N.S. Fátima (1º. Aparição em 1917) e esta passa para o Altar-mor. O Altar das Almas passa para lateral Sto. António é substituído por S. José (?) e acrescenta-se o Altar do Sagrado Coração de Jesus. A veia de destruição de capelas em S. Miguel manteve-se, pois também foi demolida a de Sto. António por volta de 1931/1932 servindo as pedras para a construção da escola das raparigas.
Na década de trinta ficamos também a conhecer, através de um pequeno livro que se encontra na Biblioteca de Castelo Branco, a disputa de poder entre duas famílias, a família Feyo e a família Boavida, onde se pretende ridicularizar algumas obras feitas pelos últimos, nomeadamente a transladação dos restos mortais do cemitério antigo no Rossio (quintal do Sr. Francisco Rolo) para o novo.
A partir de 1900 a população S. Miguel dedica-se ao trabalho rural, algum fabrico de telha e à descoberta de minério, volfrâmio (14). Em 1941, num Livro do Posto de Despiolhagem e Desinfecção de Penha Garcia, Monfortinho, Salvaterra do Extremo e S. Miguel de Acha (15), são referidos dados da vida quotidiana na Raia Centro em Idanha-a-Nova sobre composição dos lares e contrariamente ao que se pensa os lares mais frequentes são com três membros. A natalidade e mortalidade eram muito elevadas e a seguir ao modo como se vestiam as pessoas são descritas a tipologia de habitação: casas que não excediam os 30 m2 nas melhores das hipóteses com divisões de taipa e em regra só existia uma cama que era a do casal. A nível de higiene S. Miguel ganha a todos as outras, pois as casas apresentavam-se limpas na quase totalidade dos casos. Na alimentação o velho ditado: “Encha-se o Tambor, seja do que for”. A maioria da população come caldo com um pedaço de toucinho ou farinheira quando havia e pão em doses pequenas de trigo ou centeio conforme as posses. O pão era o centro e motivo primeiro do trabalho. A riqueza da aldeia é mesmo definida pela produção deste cereal e é pecado não o colocar sempre de costas no cesto ou não o beijar quando se apanha do chão. A economia assenta no sector primário, 67% dos recenseados trabalha na agricultura. O trabalho por conta de outrem domina as suas vidas e o orçamento familiar, ajudado por uma ou outra horta de pequeníssima dimensão. Em S. Miguel de Acha existem vinte e nove pastores, mas ao tudo indica estes pastores são na grande maioria assalariados e não donos.
Em 1960 inicia-se a emigração e muita gente parte de “assalto” para França.
E antes, no tempo dos romanos e árabes? Não existem vestígios dentro da povoação de S. Miguel dos romanos. Nos seus limites que pegam com a freguesia do Oledo, conhecido pelo sítio dos Barros e também por Cabeço dos Mouros da mesma freguesia, existem vários vestígios da sua passagem por esta zona. Os trabalhos efectuados 1988 e 1989 detectaram neste lugar uma villa rústica tardia de finais do século III e pensa-se que abandonada no século V, situada na margem esquerda do Ribeiro da Caniça. A villa possuía lagar e os seus proprietários eram abastados (16). Em 15/11/1985 o Ilustre Mons. Con. José Geraldes Freire publica um artigo em que, mais uma vez, chama para a atenção de vários vestígios arqueológicos em S. Miguel de Acha, uns da época neolítica e outros da civilização romana. Conta que, em fins de Outubro de 1985, os trabalhadores que arrancavam um carvalho no sítio do Cabeço dos Mouros encontraram uma construção de perfeita identificação urbana. A curiosidade das pessoas levou-os a mexer nas paredes destruindo-as. Escreve também que apareceram algumas moedas que foram levadas (17). Existem ainda as sepulturas de pedra que muitos pensam ser de origem romana. Opinião contrária tem o estudioso Prof. António Maria Romeiro Carvalho que afirma: “Três são as dúvidas sobre se as «sepulturas» escavadas na rocha terão tido esta função: número reduzido; muito dispersas e afastadas de qualquer povoado; não terem tampa. O processo de cristianização lançou o anátema sobre todas as religiões que englobou no colectivo de pagãs. Uma delas, a religião mitraica, foi a sua principal adversária até ao século IV. Derrotada, passou a perseguida, como todas as restantes. As «sepulturas» escavadas na rocha serão, não sepulturas cristãs, mas taurobólios mitraicos, utilizados antes e depois do século IV, onde os iniciados eram aspergidos com o sangue do touro. «Sepulturas» será a designação por força da falta de outra palavra e pela força do processo de cristianização que, não podendo apagar, apropria-se. Para o provar, percorreram-se dezenas de quilómetros por todo o Concelho de Idanha-a-Nova, fotografaram-se «sepulturas», entrevistaram-se residentes conhecedores destas desde a mocidade (18).” Sobre o assunto tenho algumas dúvidas e, aparentemente, aqui e ali parece-me haver pequenas contradições. É nesta zona que se encontram movimentos de romanização importantes e identificados até finais do sec. V. Afinal, existiam perto destas “sepulturas” habitantes das villas romanas e pelos vestígios já encontrados, as mesmas encontravam-se a pequena distância umas das outras, seriam, provavelmente, constituídas por agregados familiares que habitariam em pequenos casais agrícolas em redor de cada Villa. As sepulturas seriam de origem romana e também cristãs ou de outro período? Temos de ter também em conta que em 313 o imperador Constantino concedeu liberdade aos cristãos de professarem a sua religião no império, o que coincide com inicio da ocupação romana neste local. A afirmação de que os cristãos não podendo apagar os vestígios de outras religiões se apropriam parece-me demasiado forte. É sabido que muitas mesquitas foram transformadas em Igrejas sem apagar registos do facto e que a religião cristã convive em muitos casos com o pagão, veja-se os vários exemplos e manifestações que existem no período do Carnaval. Quanto ao facto de as tampas desaparecerem pode ser explicado de quando da invasão árabe, uma vez que estes vandalizarem muitos dos sinais cristãos.
Sobre os caminhos romanos na nossa zona temos pouca informação. Após algumas pesquisas encontrei: “Castelo Branco a Idanha-a-Velha (IGAEDITANIA). Alguns vestígios romanos apontam para esta provável ligação à civitas Igaeditania. Escalos de Baixo (possível desvio pela Ponte Romana? da Munheca na estrada EN240 para Ladoeiro onde há vestígios de calçada em direcção a Zebreira) Escalos de Cima («In Scallis nos miliários» ?) Lousa, Oledo (seguiria próximo da villa de Barros e Qta. dos Cebolais)(Eventual ligação a S. Miguel da Acha, Idanha-a-Nova pela calçada e Ponte Romana? de Barros sobre a ribeira da Caniça) Proença-a-Velha, Idanha-a-Velha (IGAEDITANIA) ” (19).
Contudo a rede viária mais importante que passava pela Egitânea e seguia para Norte, vinha de Mérida com destino a Braga e todos estes sinais de romanização se integram na circunscrição administrativa da Egitânea.
Quanto ao período árabe que ocupou a Egitânea (Idanha-a-Velha) em 713, a seguir ao período visigótico iniciado em 509, pouco existe a nível de construções. Introduziram os mercados, o cultivo do trigo, da cevada, construção de moinhos de água e azenhas. Também introduziram a nora nos poços e a picota. Legaram-nos o Adufe e uma palavra muito usada por nós: Alvanel, que significa o pedreiro que trabalha em alvenaria.
Quando iniciei este pequeno resumo da história da nossa terra, despretensioso, que procurei enquadrar na zona onde se circunscreve e que necessita de maior aprofundamento científico, há muito ainda por pesquisar em bibliotecas e em livros nas mãos de muitos conterrâneos, houve uma ideia que nunca me saiu da cabeça. Com a perda significativa e continuada de população de Proença-a-Velha e Aldeia de Sta. Margarida e no novo quadro de redução de freguesias, será que estas, um dia, poderão passar a ser integradas na freguesia de S. Miguel de Acha? A teoria que de facto a história nunca se repete, mais uma vez, comprovar-se-ia.
No ano de 2012 S. Miguel de Acha fará 260 anos sobre a data em que foi elevada a vila e a freguesia própria, por D. José I. Espero que a JF e as Associações comemorem esta data. Considero que estes pequenos sinais também são importantes para o orgulho de ser micaelense ou achense, pois foi uma longa batalha até nos tornamos autónomos como freguesia própria.

Manuel Ruivo
Outubro 2011






   

 (1) Consulta livro António Milheiro, S. Miguel de Acha - Memórias da Cultura Tradicional.
 (2) Vestígios da Lingoa Arábica em Portugal, Academia Real das Sciencias, por Fr. João de Sousa
 (3) Publicado B.I. ADEPAC nº. 52, em Outubro de 2009, Rui Salgueiro
 (4) Origens de Proença-a-Velha, internet.
 (5) Consulta livro António Milheiro, S. Miguel de Acha - Memórias da Cultura Tradicional.
 (6) (7) Fórum genealogia, António Pereira, Daniel Andrade Ferreira e Celso Milheiro – Internet.
 (8) (9) Fórum genealogia, Francisco Alvares de Carvalho – Internet.
(10) In Luís Bívar Guerra, A Casa da Graciosa, pp. 200-205
(11) Fórum genealogia, S. João Rei, Internet.
(12) Semanário Reconquista em 07/03/1980, José Geraldes Freire
(13) Diário do Governo, nº. 93, Sabbado, 19 de Abril de 1823, pesquisa Google: Gazeta de Lisboa.
(14) Consultar livro António Milheiro, S. Miguel de Acha Memórias da Cultura Tradicional.
(15) Cadernos de Cultura, Nº. 9, Novembro de 1995. O livro encontra-se arquivado na Misericórdia de Idanha-a-Nova.
(16) A Villa Romana dos Barros Oledo. Primeira Noticia, Rogério Carvalho e Madalena Costa Cabral.
(17) Estação Arqueológica de S. Miguel de Acha, Reconquista 15.11.1985
(18) O Culto de Mitra e as Sepulturas Escavadas NA Rocha, António Maria Romeiro Carvalho
(19) Vias Romanas em Portugal, Itinerários – Internet.